11 setembro, 2006

A QUEM INTERESSAR

Hoje foram abandonadas as buscas no mar.
O Comandante Besnico foi dado como desaparecido. O corpo ainda não deu à costa.

Todavia consta, que aqui na praia foi visto um louco, cuja descrição poderia corresponder à do comandante. Tinha um ferimento na cabeça, do qual sangrava e não deixava que se aproximassem dele.

Quando lhe perguntaram quem era e de onde vinha; simplesmente respondeu que não sabia.

Quando as autoridades chegaram para o identificar, tinha desaparecido.

Em carta deixada pelo comandante antes de partir, cabe-me a mim o dever, de a seu pedido, encerrar este “blog”.

O Imediato do n/v “Maria Pedrógão”
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Visite “MEMÓRIAS DE UM AMNÉSICO”
http://memoriasdeumamnesico.blogspot.com/
Memórias que não consigo recordar, de um passado que não consigo esquecer…
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07 setembro, 2006

A SETIMA ONDA ou A Loucura do Capitão


Sentado na mesa de cartas, Besnico ia pensando, não já do que para trás deixara em terra, mas da melhor manobra a executar para apanhar melhor vento e dar mais andamento ao navio.


Mandou o piloto confirmar a velocidade, onze nós, não tinha pressa. Não fora a tripulação e se o navio não chegasse a parte alguma, não lhe faria qualquer diferença.


O oficial de comunicações, abeirou-se dele e informou:
- Uma mensagem para si.


Era de um amigo, que entre outras coisas, o informava de que deveria ir ver o seu “blog”.

Besnico sorriu, quantas facilidades a tecnologia hoje permite… ligação à Internet em alto-mar…


Enfastiado, encostou a cadeira para trás e adormeceu a contemplar o pôr-do-sol no horizonte.


Era já noite alta quando acordou e lembrou-se da mensagem do amigo.


O timoneiro tinha saído de quarto e agora ao leme, á luz difusa da bitácula, estava um jovem que lhe confirmou o rumo, 230º.

Seguiam agora com melhor andamento numa, navegação mais estável e o navio adornado para bombordo por um vento de 25/30 nós que lhes entrava pelo través, embalava-os mar fora pela escuridão da noite.

No tombadilho apenas se ouvia o marulhar das águas contra o casco e a melodia do ranger do aparelho que jogava com o balanço do navio.


Para o Besnico a vibração do vento nos brandais e o tilintar das adriças, completavam a orquestra, como acordes de violoncelo.

Lá fora a visibilidade era nula, apenas em volta do barco, principalmente na esteira, uma leve fosforescência do plâncton das águas, que emprestava à espuma das ondas uma luminosidade branco azulada, como que se os espíritos daqueles que se perderam no mar, estivessem a acompanhar o navio.


Besnico, voltou para a cabine, depois de caçar um pouco mais a escota da mezena, abriu o computador e viu a imagem de uma rosa e apenas uma frase; as suas palavras para mim… como título – São rosas senhor


No passado, quantas vidas desfeitas, quantos enganos e desencontros por não ser possível, como hoje, ter a bordo comunicações via satélite.


Nervoso, precipitado, correu para a mesa de navegação, uma vista de olhos ao GPS e assinalou desajeitadamente na carta a posição do navio. Uma série de cálculos; não estavam longe, o sol iria nascer dentro de pouco tempo, esperaria o suficiente para não arriscar a tripulação, com uma manobra de panos á noite. Seguidamente informou o piloto:
- Dentro de 90 minutos ligar o motor e arrear panos.
- Mas comandante, a motor teremos um andamento mais lento!?...
- Depois comunico-lhe o novo rumo.


Besnico sabia, mas também sabia que não poderia navegar directamente contra o vento, que agora estava a entrar pela poupa. Precisava pelo menos de um ângulo superior a 35º, o que o obrigaria a fazer um demorado bordo para o meio do Atlântico subindo em latitude e depois, traçar novo rumo e fazer novo bordo seguindo numa lenta navegação de largo, para atingir a costa no ponto que desejava.


Navios deste tipo, são lentos. Navegam bem à poupa mas tem dificuldade em bolinar, ao contrário dos modernos veleiros de recreio.
A motor, são igualmente lentos e a configuração do casco, não só permite grandes abatimentos, como em determinadas circunstâncias se tornam extremamente incómodos.


Na coberta, fazia-se já sentir o movimento dos tripulantes na manobra de arrear panos.


Alguém gritou para o timoneiro - orça, orça!... a bombordo outra ordem – folga… folga a escota do estai, caraças… mais… dá toda!


O navio entrara na linha de vento, o barulho dos grossos panos a bater e o chicotear dos cabos, emprestava ao ambiente, para quem não estivesse acostumado, um aspecto aterrador.


Novamente alguém advertiu, cuidado atenção á cambadela!... no exacto momento em que a retranca se deslocou mas sem violência, fora apenas o balanço do navio; o último pano estava arreado.


Trim-tim, na casa da máquina o telégrafo deu sinal – Atenção à Máquina. Pouco depois, trim-tim-tim – Meia Força à Vante. O navio que quase parara estava agora com seguimento.


Nova ordem foi dada ao timoneiro:
- Volta de 180º por Estibordo.


O navio começou lentamente a rodar e algum tempo depois nova ordem:
- Pare a volta – governe a 035º.


Navegando de “árvore seca”, apoiado apenas no motor, não tardou que o navio se erguesse na proa para depois cair pesadamente no mar com estrondo, deslizando onda abaixo para se enfiar de proa na outra onda que se levantava na sua frente. Alguns intermináveis segundos, e eis que volta a subir, com toneladas de água a varrer o convés de proa à popa, saindo violentamente pelas portas-de-mar como que fossem longas barbas brancas.


No tombadilho, apanhados de surpresa, dois tripulantes que não se recolheram a tempo, agarrados aos brandais para não serem arrastados, pensavam que o comandante tinha enlouquecido.


Obstinadamente, durante mais de uma hora, seguiram nesta incómoda navegação.


De pé, olhando para fora, alheado de tudo e em silêncio, estava o comandante.


Por fim, como que acordando para a realidade, deu-se conta que o imediato olhava para ele com ar apreensivo.


Com um assentimento de cabeça, sem uma palavra, poisou-lhe amigavelmente a mão no ombro.


A velocidade tinha baixado, não conseguiam mais do que uns modestos 8/9 nós.


Besnico, não sabia o que lhe tinha passado pela cabeça para determinar uma manobra assim; e o mar até que não estava mau?!... onda de cerca de 3 ou 5 metros, nada mais. Um verdadeiro mar de senhoras.


O Imediato, como que lhe tivesse adivinhado o pensamento, comentou:
- Ai as mulheres… as mulheres são o diabo!


Besnico, assumindo uma posição de comando, retorquiu:
- Imediato, assuma o comando e efectue a manobra. Vou descansar um pouco.


Deitado no seu beliche, Besnico sentiu que o navio começava a rodar e pouco depois sentiu que tinha sido reduzida a potência do motor. Pela inclinação percebeu que tinham sido já içados os panos. O mesmo mar, a mesma onda, apenas uma mudança na atitude do navio e tudo voltou à calma. Como que o mar tivesse amansado. Não compreendia o que lhe tinha passado pela cabeça?!...


O n/v “Maria Pedrógão” sulcava agora tranquilamente as águas, a uma velocidade de 13 nós, cortando transversalmente as ondas, apoiado no motor, ao qual se juntava a ajuda e o equilíbrio do estai e da mezena.


No dia seguinte, tinham subido em Latitude o suficiente para mudar de bordo. Traçado o novo rumo, apenas uma precaução:
- Imediato, ponha alguém com atenção ao radar, vamos atravessar uma zona de tráfego marítimo intenso. Quero dois vigias á proa durante a noite; atenção ás embarcações miúdas de pesca.

O dia amanheceu claro, o Comandante almoçou com a tripulação, depois junto á costa o navio imobilizou-se, ficando a pairar.


Besnico chamou o Imediato:
- Mande arrear um escaler com oito remadores. Vou desembarcar.
- Comandante o escaler tem motor de 60 c/v!?...
- Oito remadores!... vou a terra, a rebentação está forte, se esse velho motor se engasgar, como é?...


Para além disso, os motores tem uma potência limitada, que quando atingida mais não dá, é o limite. Os remadores são um acréscimo; aprendi com um velho Lobo do Mar, que o limite da capacidade humana é a vontade, o querer, e o limite ainda não foi atingido. Por isso acredito que esses oito mancebos, poderão valer mais do que um limitado motor de 60 cv.


Fazendo a saudação, Besnico acrescentou:
-Imediato, o navio é seu, vou desembarcar, assuma o comando.


O comandante desceu pela escada de quebra-costas, saltou para o escaler e pegando no pau de croque afastou do navio a pequena embarcação.


Vamos desembarcar na praia, inquiriu o piloto?... Não, apenas Eu vou desembarcar, respondeu o comandante.


Desembarcarei a cerca de cento e cinquenta metros da praia, antes de entrar na rebentação, na zona em que as ondas se começam a formar, governe paralelamente á costa, para eu sair.


Mas comandante, passa já da segunda hora de vazante, quando a corrente começa a ter mais intensidade. Não se vai atirar!?... perguntou atónito o piloto.


- Esse problema é meu; o seu, é regressar com estes homens em segurança ao navio, não entre na zona de rebentação. Entendeu?... é uma ordem!


Dizendo isto, tirou a pesada camisola, descalçou os sapatos e entregou o boné ao piloto dizendo:
- Entregar-mo-á mais tarde. Assuma o comando da embarcação.


Em silêncio, os remadores levantaram os remos e Besnico saltou afastando-se em vigorosas braçadas.

O sol escondia-se já no horizonte, aproveitou uma onda que se estava a formar, para com ela tentar alcançar a praia.


Arrastado pela corrente, estava um pouco mais para sul do que pretendia. Não iria sair na areia, mas um pouco mais abaixo, na zona das rochas; tinha consciência disso.


A onda elevou-se, subiu, subiu, até perder a base de sustentação, quebrando violentamente.


Besnico viu-se envolvido por um turbilhão de água; raspou pelo fundo bateu nas pedras e por fim surgiu á superfície aliviado por poder voltar a respirar.


Estava mais longe, do que quando começara. A ressaca da onda tinha-o atirado de novo para o mar.


Não perdeu o alento, apenas mais umas braçadas e estaria a salvo.


Nova onda atirou-o de encontro as pedras e uma poderosa força arrastava-o para o fundo.


Olhando para cima, podia ver faixas de luz difusa que desciam, convergindo na sua direcção… descontraiu-se, respirou fundo… e sorrio.


Na superfície da água podia ver a Casa de Maio; no jardim, Maria cuidava das suas rosas… Rosas de Maio, pensou.


Estava tranquilo; já nada lhe importava… aliás não tinha, nunca teve importância alguma. Porque no final, tudo não passava de uma romântica história, para “postar” num blog…

05 setembro, 2006

São rosas, Senhor...

...as suas palavras para mim!


Maria P.

Post, gentilmente publicado por Maria Pedrógão de “Casa de Maio”

04 setembro, 2006

CARTA DO ALTO-MAR

Tomei a decisão certa.

Nesta hora em que me lês, já estarei em alto-mar, a caminho do Brasil.

Para trás ficaram os sonhos que não cheguei a sonhar; ficaram as esperanças de baías e enseadas de águas tranquilas, onde acreditei poder lançar ferro, prender amarras e esperar ser acolhido.

Para trás ficou a paisagem e a brisa tranquila que eu poderia respirar das janelas de uma certa casa que em Maio era de esperança… A CASA DE MAIO.

Ao longe, no horizonte, já nem distingo a tua praia, tão pouco distingo já os pontos conspícuos da costa; o farol do Cabo da Roca, a Serra de Sintra.

Esfumando-se na bruma; apenas a imagem daquela cujo nome significa que vem do mar… e o apelido recorda uma das mais bonitas praias da nossa costa, Pedrógão… Maria Pedrógão.

O que a maré traz, a maré leva…
Fica bem.

01 setembro, 2006

CRACAS e outras coisas do mar.

Nome comum para uns animais marinhos, sésseis da classe das cirripédias. (família das ostras e dos mexilhões)

Estes seres marinhos, fixam-se nas rochas e nos seres vivos, como as baleias, e no casco dos barcos, onde causam alguns estragos.

Tempos a tempos, torna-se necessário limpar o casco dos barcos, (obras vivas) pois que a proliferação destes seres, não só desgasta as superfícies onde se agarram, como em quantidade tiram andamento ao barco.

Mas não é só no mar; em terra marinheiro que não se cuide, corre o risco de ser apanhado e não apenas nas obras vivas, nas também nas obras mortas até ficar completamente consumidinho por elas.

Ahh!... mas é tão bom!... Quem não gosta de percebes que são da mesma família…

Eu disse percebes, daqueles de comer… não perguntei se percebes, daqueles de entender. Pronto, não sei explicar melhor... tenho as minhas limitações.

Nota
Obras Mortas – Termo náutico que significa, trabalhos de reparação ou restauro no navio, feitos acima da linha de água.
Obras Vivas – Termo náutico que significa, trabalhos de reparação ou restauro no navio, feitos abaixo da linha de água.

Será que é preciso explicar tudo?!... Na volta tenho que explicar o que é um marinheiro, não vão vocês pensar que é o nome dado aos habitantes da Marinha Grande.

Para a próxima vamos falar de nós. NÃO é de NÓS da gente… é dos outros, (não, não vamos falar da vida dos outros) nós de atar e desatar… a chamada Arte de Marinheiro.

Foi este texto que enfureceu a nossa “blogista” Maria Pedrógão, da CASA DE MAIO, e eu nem sei bem porquê!?...
Visitem a CASA DE MAIO, leiam nossos comentários e digam lá se eu fiz alguma coisa que mereça que aquela “cigana” me trate assim e me tenha feito um bruxedo no meu blog, ao qual não tive acesso durante todo o fim de semana. (até a palavra passe ela mudou)


“DIREITOS CONSUETUDINÀRIOS” ou Cabelos Brancos e Pasteis de Nata

Contou-me uma amiga esta história que eu acho uma delícia.

No tempo que em Portugal, mesmo as grandes cidades, não eram mais do que uma aldeia maior e o trânsito automóvel diminuto, criaram-se alguns hábitos de condução “licenciosos” que não envolvendo quaisquer riscos, se aceitavam como prática corrente.

Foi assim que, um dia, um automobilista idoso, circulou como diariamente fez durante quarenta anos, por uma rua direito a casa.

Tudo seria normal, não fora o caso de alguns dias antes, por razões de reordenamento de trânsito, a Câmara ter mandado colocar um sinal, passando a rua a ter apenas um sentido único e o nosso velhote estar a circular em sentido contrário.

Interceptado pela polícia que o advertiu, fazendo referência ao novo sinal, o idoso condutor, respondeu tranquilamente com um sorriso ingénuo:

-Ora senhor guarda, isso é para os novos!…

O Besnico lembrou-se disto, porque pelas mesmas razões, a semana passada fez rigorosamente a mesma coisa em S. Pedro de Moel, onde durante o verão o trânsito à praça está condicionado e é apenas para moradores.

Um jovem e educado polícia, mandou-me parar, perguntou-me se eu era morador ao que respondi, que não.

O Polícia, fez referencia à restrição de trânsito e eu pedi desculpa, dizendo que não tinha reparado, pois que normalmente só frequento aquele lugar durante o Inverno…

Sorridente o jovem polícia, apenas teve o seguinte comentário:

- Pois, mas estamos em Agosto… Pode seguir e tenha um bom dia.

29 agosto, 2006

UM CONTO NUMA MANHÃ DE PRIMAVERA

Ainda tenho por cá o meu filho. Também confesso que me dou mal com o calor, este calor que me impede de pensar, de escrever e de sentir o aroma das coisas e o vibrar da natureza em amor e alegria, como na Primavera. Gosto ainda da louca mas genuína violência dos elementos no Inverno, o grito de revolta das tempestades, os lamentos do vento pelos pinhais. Tempestades de Inverno, irmãs da minha loucura, ou manhãs de primavera cuja fresca harmonia da natureza são um bálsamo, um calmante para a minha demência. Então sim, escrevo com o mais puro e profundo sentimento do meu coração.

Por tudo isto e para não prolongar mais a minha ausência, da qual obviamente, vocês nem deram conta, vou deixar aqui este escrito que muitos já conhecem, mas para satisfazer o insistente pedido de uma amiga.

Beijitos para elas, abraços para eles.
Besnico

Sei bem que há muita pobreza encoberta, envergonhada e que este conto se pode encaixar em qualquer um. Todavia advirto que qualquer coincidência de nomes ou situações semelhantes, são mera coincidência. O autor não procurou visar ninguém em especial é tudo fruto da imaginação delirante e demente, do Besnico.

* * *

Há dias enquanto terminava o meu café, sentado numa frondosa esplanada, ali para os lados da Lapa, observei duas mulheres idosas, que, aparentemente sem destino hesitavam entre atravessar a rua ou continuar, seguindo pelo passeio.
Para um observador menos atento não seriam mais do que duas mendigas andrajosas, transportando dois velhos e enormes sacos de viagem. Porém, reconheci nelas traços de um passado e a minha imaginação levou-me a recordar cenas da minha infância e de conjectura em conjectura, nasceu esta história que não sendo verdadeira não deve andar muito longe da realidade.
As duas mendigas à medida que as fui observando e escutando iam cada vez mais revelando as suas identidades. Seguindo-as discretamente, fui tentando reconstituir o seu passado.
Como eu as conhecia bem. Como eu vivi perto delas a minha infância e parte da juventude.
Mesmo com os cabelos mal tratados e os rostos vincados pelo tempo e pelo sofrimento, reconheci numa delas a serenidade e a dedicação da velha criada, na outra, o encanto e a postura de uma verdadeira senhora.
Pelas vestes, igualmente fora de moda e já gastas, reconheci o tecido e o corte inconfundível dos bons costureiros dos anos cinquenta. Para confirmar, bastou-me verificar com o olhar aqueles sacos de viagem em tecido e pele genuína e lá estavam, descolorados, quase ilegíveis, rótulos dos melhores hotéis da Europa, onde ainda li, Biarritz, Cúria, Pedras Salgadas, Nice...
Turvou-se-me a vista, já conhecia a história.
Mariana, morena, olhos verdes, pequena, elegante, em toda a graciosidade dos seus vinte e poucos anos. Parece que a estou a ver numa manhã de Primavera, com o seu vestido branco de saia de roda plissada, descendo o Chiado no alto dos seus sapatos de salto em cunha de cortiça, muito ao jeito daquela época, fazendo girar a cabeça dos galantes frequentadores da pastelaria Benard, para de seguida entrar como um furacão na casa de modas Paris em Lisboa, ou no Último Figurino, na rua do Mundo, onde fazia revolver prateleiras de tecidos ou desmanchar expositores, para no final sob o olhar atónito do gerente, acabar por adquirir um elegante e caríssimo vestido de noite que estava na montra e supostamente com dono.
Foi assim, numa dessas manhãs que um banqueiro quarentão e riquíssimo a viu e tanta graça lhe achou que se ligaram num profundo amor, que só Deus veio separar.
Maria José, mulher alta, forte, de uma beleza rústica, nascida numa terra ali para os lados de Leiria e que um casamento infeliz obrigou a procurar refúgio em Lisboa.
Foi na cidade que se conheceram. Mariana recolheu-a em sua casa, onde a troco de pequenos serviços, recebia salário, cama e mesa.
Desde muito cedo que Maria José passou a fazer parte da família, numa amizade e dedicação recíproca, cimentada pelo tempo, por pequenas confidências, uma certa cumplicidade e favores mútuos.
Vieram os tempos difíceis, depois da morte do senhor, hoje esbatendo-se no tempo a relação criada-senhora, já talvez não saibam se não serão duas irmãs.
Foi hoje, aqui, que eu as reencontrei. Nesta linda manhã de Primavera em que por algum capricho de Deus o céu está límpido e azul como nos anos cinquenta e o aroma das flores se espalha incrivelmente pela cidade como há quarenta anos. Nas Avenidas Novas, na Lapa, por toda a cidade, em bandos, as andorinhas esvoaçam e constroem os ninhos nos beirais dos telhados. Hoje, aqui, em 1991 deu-se um milagre; Mariana acordou radiante, sem reumático, Maria José habituada aos caprichos da sua senhora já lhe havia adivinhado o pensamento:
- Maria José! Prepara as minhas malas, vamos partir para a Cúria.
- Sim minha senhora, já as tirei para baixo.
Aos poucos nos sacos de viagem foram-se amontoado os andrajosos trapos. Que nada faltasse à sua senhora.
Com lágrimas nos olhos Maria José ia fazendo as malas. Também ela estava ansiosa por partir. Não sabia bem para onde, mas ia com a sua senhora, fosse lá para onde fosse; e logo hoje que se lembrava tão bem daquela manhã em que partiram para o Buçaco.
Na rua, do outro lado, à sua espera estava o Buick vermelho, Maria José corou; de pé, gordinho e rosado, a abrir a porta estava Edmundo, o motorista, a seu lado sorridente, elegantíssimo na sua camisa de seda natural com monograma bordado, sapato preto e branco e chapéu de palha, estava o senhor. Ninguém mais os via, só elas, mas... estava tão difícil atravessar a rua?!...
Não era costume, não havia tantos carros em Lisboa!
- D.ª Mariana não atravesse ai. Cuidado! Venha por aqui.
- Maria José de onde vieram todos estes automóveis?!
* * *
Dedico este conto a todas as Marianas e Marias José, na esperança de que pela mão de Deus consigam atravessar a rua, na certeza, de que sem dúvida, do outro lado, sorridente, alguém as espera na ânsia da partida.
Besnico di Roma - 1991

23 agosto, 2006

ELES CRESCEM…

PRONTO - EU EXPLICO ESTA AUSENCIA


Antigamente quando queria ver o meu filho bastava-me ir à janela de casa e lá estava ele no recreio da escola. Vermelho, ofegante, sujo, roto e esfarrapado a jogar à bola. Hoje, se o quero ver tenho que esperar no aeroporto ou viajar milhares de quilómetros, Deus sabe por onde. Paris, Londres e agora uma maravilhosa Ilha tropical onde o meu “trolha” trabalha numa obra pela qual é responsável.
ELES CRESCEM – e só agora entendo as preocupações dos meus pais…

Pois é, nesta altura já todos perceberam o motivo da minha ausência.
Já não via o meu filho desde o Natal. Hoje, hoje mesmo, fui busca-lo ao aeroporto.
Enquanto esperava pensei para comigo; parece que foi ontem que o levei pela primeira vez à escola. Mal acompanhavam o meu passo, ele e a irmã, os dois na minha frente, muito agarradinhos, mãos dadas, com o cestinho da merenda que a mãe lhes preparou. Pareciam dois saloitos de visita á cidade, embasbacados e receosos.

Quando o ia buscar à escola, para saber onde ele estava, bastava-me procurar o lugar de maior confusão, onde um irmão Marista de mãos na cabeça procurava por ordem nas coisas. Lá no meio, bem no centro do desatino, estava por certo o meu filho.

O tempo passava, o avião tinha aterrado, os passageiros tinham saído e o meu filho não aparecia.

Hoje aqui no aeroporto lembrei-me disto… e agora, no meio desta gente toda como é que vou encontrar o rapaz?!...

Sorri, deu-me mesmo vontade de rir o pensamento que me passou pela cabeça…

Procurei uma prancha de surf, pendurado na outra ponta estava um arquitecto, com 30 anos, calça branca, sapatos de vela e uma Lacost azul, era ele… o meu filho.

Tal como na escola, tinha “perdido” a mala, mas salvou a prancha de surf…

Meus queridos amigos, voltarei muito em breve. Gosto da vossa companhia, mas… deixem-me saborear estes poucos dias em que vou ter a companhia do meu “emigras”…
Estou perdoado?!...
Beijitos
Tenho-os no coração.

17 julho, 2006

ENCERRADO PARA FÉRIAS

VOU DE FÉRIAS ATÉ 16 DE AGOSTO

(Fotografia de família roubada da net.)
Vou até ao Algarve, desfrutar da companhia de familiares e amigos.
Levo saudades vossas.
Fiquem bem, até breve.

14 julho, 2006

NO PALCO DA VIDA

Francisco naquela noite voltou ao teatro. Era a terceira vez que ia ver aquela peça.
Estava apaixonado pela actriz principal. Tinha encontrado a mulher da sua vida.
A doçura da sua voz no palco, os seus sentimentos, quanta bondade, quanto amor…
Francisco estava optimista. Hoje depois do espectáculo ia finalmente falar-lhe.
Valeu-lhe um amigo que bem familiarizado com o mundo artístico, lhe arranjou um bilhete na plateia, quando a lotação estava esgotada havia já duas semanas. De igual modo, tinha conseguido que a actriz recebesse Francisco logo a seguir á representação, a pretexto de um autógrafo.
Francisco jovem com trinta e poucos anos, não cabia em si de emoção. Nada sabia dela, a não ser que, acidentalmente, foi ver a peça e ficou deslumbrado com a actriz. Tão pouco sabia que aquela figura de elegante senhora tinha mais vinte anos que ele.
Finalmente encontraram-se, e Francisco mal conseguia balbuciar as palavras com que lhe falou. Enquanto esperava que a actriz se vestisse para sair, Francisco não sabia mesmo como tinha arranjado coragem para a convidar para cear. Não tinha qualquer dúvida, ela também gostava dele.
Naquela noite, ele bem percebeu que ela representou apenas para si. As suas frases que ele tão bem conhecia, foram proferidas olhando na sua direcção. Ele um anónimo no meio de tanta gente, mas era para ele que ela olhava naquela noite, enquanto representava.
Linda saiu do camarim e avançou desajeitadamente na direcção de Francisco. Foi um tremendo choque. Em cena, o seu cabelo primorosamente penteado, dera agora lugar a um cabelo comprido avermelhado e muito mal tratado. O elegante vestido da peça, era agora um “trapo” garrido de mau gosto.
Francisco teve de reunir forças para prosseguir sem que a senhora percebesse a sua desilusão.
Durante a ceia Linda falava alto e a sua voz estridente nada tinha que ver com a voz melodiosa de Dona. O seu sorriso meigo, dera agora lugar a um esgar, que os beiços vincados de baton vermelho esborratado fora dos lábios sublinhavam, enquanto atirava com a cabeça para trás, em estridentes gargalhadas.
Francisco como cavalheiro que era, acompanhou Linda a casa. Na despedida, quando procurou beijar a mão da actriz, esta que nem reparou, selou a despedida com dois beijos que marcaram a face de Francisco como dois carimbos vermelhos.
No ar ficou a possibilidade de um futuro encontro, mas sem muita convicção de parte a parte.
Linda entrou em casa, tinha acabado a noite, o pano tinha caído, o espectáculo tinha terminado.
Sentada diante do espelho, tirou a cabeleira, removeu a maquilhagem e sem saber porquê uma lágrima rolou-lhe na face.
Naquela noite, cear com Francisco tinha sido a sua melhor representação. Trinta anos de carreira tinham ensinado á actriz, que os homens da sua vida não se apaixonavam por ela, mas por Dona, a figura da peça.
Dedico este conto a todas as mulheres e homens, apaixonados... pelos protagonistas das peças.


PENSAMENTO POSITIVO

Sou um privilegiado.
Tenho tudo o que preciso para ser milionário.
Só me falta o dinheiro.

12 julho, 2006

A TODOS

Estou incomodado.
Sou uma pessoa afectiva. Faço amizades com facilidade e dedico-me naturalmente ás pessoas, pese embora o facto de muitas vezes isso me trazer amargos de boca.
O povo, na sua sabedoria simples costuma dizer que “Elogio em boca própria soa a vitupério” mas no presente caso não me estou a elogiar. Antes pretendo que me “conheçam” com o sentimento que julgo ter. Ainda que muitas vezes em meu prejuízo, ponho sempre em primeiro lugar o sentimento das outras pessoas. Não gosto de causar sofrimento, ainda que muitas vezes a minha boa disposição seja a capa dos meus sentimentos.
Todavia acautelem-se. Sou igualmente, um rematado brincalhão, tocando as raias da loucura, e adoro pregar partidas, susceptíveis de transmitir momentos de hilaridade e boa disposição a quem me rodeia. Então, se arranjar cumplicidade para uma boa brincadeira… nem imaginam do que sou capaz. A minha sogra, enquanto viveu, não só foi minha cúmplice em histórias “rocambolescas” como foi igualmente “vítima” de algumas.
Valia-nos um velho casarão, casa de família, com trinta quartos e cem anos de construção,
cujo aspecto fantasmagórico, serviu de cenário para histórias de fantasmas e de extraterrestres que uma ou outra vez, juntaram à nossa porta, magotes de pessoas que até já viam OVNIS e coisas que nem a nós nos passavam pela cabeça. Dessa vez até a televisão esteve para aparecer não fora o caso da inconfidência de um amigo que pôs fim á brincadeira.
Mas agora não. Estou apenas triste com o desaparecimento do “blog” do nosso amigo Jorge Esteves. Gostava de ler os seus escritos e sinto a falta dos seus humorados comentários. Desaparecer assim, sem despedida…
Triste também fiquei, por ver um comentário anónimo no “blog” da nossa amiga Maria Pedrógão. Comentário esse que me pareceu mais uma ameaça velada, do que uma crítica ou opinião.
Nem ânimo tenho, para escrever.
Fiquem bem.

11 julho, 2006

ERA UMA VEZ UM MENINO

Queridos amigos, vou deixar aqui um excerto de um conto que estou a escrever, não para os “blogs” mas para um livro que não sei se tenho a coragem de acabar, pois que a carga emocional das recordações é muita e o “escritor” é velho…
O conto tem por título “PORQUE CHORAM OS VELHOS ?”

Fiquem com este pedacinho…
Era uma vez um menino, um menino que tinha tudo, tudo o que qualquer criança poderia desejar, só que não era feliz.
Francisco, filho de pais modestos, gente honesta e de trabalho, cuja maior herança que lhe deixaram foi o amor de pais, boa formação moral e firmeza de carácter. Agora já velho, Francisco recordando o passado, costumava pensar para si mesmo, que a vida de seus pais como casal, fora a mais bela história de amor que alguma vez tivera a oportunidade de viver.
Por outro lado, Francisco era o principesinho, filho único de sete irmãs; um menino entre as bruxas como o seu pai costumava dizer quando agastado, por aquilo que considerava ser um excesso de cuidados em volta da criança, acrescentando:
- Isto não é educação que se dê a um rapaz, que Deus me perdoe, mas ainda fazem deste miúdo um verdadeiro maricas.
De igual modo, seu tio e padrinho, um abastado banqueiro, repetia vezes sem conta:
- Oh Manuel, temos que tirar este puto das mãos destas mulheres, dão-nos cabo do rapaz!
Mas Francisco, não era da qualidade de se estragar, e entre "bruxas", sedas e mimos, lá foi sobrevivendo e tornou-se um homem. Foi crescendo, foi para a escola e foi sempre ouvindo os projectos, que os maiores da família tinham traçado para o seu futuro.
Os "amigos de família", aqueles amigos do peito, que sempre nos rodeiam quando o dinheiro corre e que depois de repente desaparecem quando a fonte seca; já tratavam o Francisquinho por senhor engenheiro ainda o menino não tinha feito a 4ª Classe de Instrução Primária. Vulgar mesmo era referirem-se a ele perguntando sempre como estava o Morgado.
O Padrinho, gostava de afirmar em público falando com o compadre:
-Manuel, quando chegar a altura, o teu filho vai estudar para Inglaterra, sou eu quem paga os estudos, faço questão. Será no mínimo, advogado ou engenheiro. Quero que ele seja o meu sucessor no banco.
Assim com o futuro previamente assegurado, Francisco teria tudo o que se poderia desejar para ser feliz e um homem de sucesso. Só que, a vida dá muitas voltas, e Francisco, se por um lado não tinha vocação para maricas, também não tinha vocação para os estudos... ou talvez tivesse, os tempos é que eram outros e o ensino diferente.
Escolas, colégios, liceus, correu todos os que havia em Lisboa. As notas, numa escala de zero a vinte, tanto poderiam ser zero, como de dezoito, nas raras vezes que comparecia aos pontos. As chamadas orais, uma verdadeira desgraça, muito concorridas de público, não só para apreciarem o saber sólido, que realmente possuía, do pouco que sabia, mas principalmente para assistirem ás graçolas que dizia e que não raras vezes lhe valiam a expulsão da aula.
Adorado pela maioria dos professores, e odiado pelos outros a quem satirizava, Francisco vivia no purgatório, sustentado pelos anjos bons que o puxavam e flagelado pelos demónios que o odiavam.
Uma tónica era comum a todos os professores que falavam com seus pais, era um aluno de uma educação exemplar e como todos afirmavam, Francisco era o cábula mais inteligente que conheciam, e que pena aquele azougado ser assim.
Conta-se, e foi verdade, que uma vez no final de um exame, o presidente do júri depois de ter interrogado Francisco, perguntou-lhe:
- Oh rapaz, tu foste meu aluno?
Fui sim Senhor Doutor, respondeu Francisco; e diz-me, continuou o professor, eu alguma vez te prejudiquei? Não Senhor Doutor, respondeu Francisco.
O professor, pondo-se de pé e com ar solene acrescentou:
- Bem me parecia, eu nunca poderia ter prejudicado um aluno tão brilhante como o senhor; e deu por concluído o exame.
Lá atrás na assistência, a Titi chorava. Correu para o telefone e falou para a irmã dizendo - graças a Deus, o nosso Chiquinho passou, distinto, distinto... ao lado o Chiquinho disfarçando uma risada pensava - uma em dez, margem de insucesso, noventa por cento, o melhor é não pôr cá os pés amanhã e deixar o resto para Setembro.

09 julho, 2006

PROCURA-SE

Esta agora!... não estava nas minhas perspectivas. Andar à procura de uma pessoa que não conheço.
Pois mas fazer amigos à distância tem o seu quê de … não sei explicar.
Não os conhecemos, mas habituamos a eles… depois, se desaparecem ficamos preocupados.
É o caso do nosso amigo Jorge Esteves, nem TEXTOS, nem PRETEXTOS, tudo fora do CONTEXTO.
Será que o nosso amigo foi passar as férias ás Bermudas!?... Querem lá ver que o triangulo estava a funcionar, e o homem sumiu-se com o Blog?
Ó Jorge, diz alguma coisa à gente!... Logo agora que eu estava a pensar ir ao Porto à tal tasquinha de arrais, na Ribeira, até estava a pensar levar a nossa amiga Maria P. para almoçar com a gente…
Eu compreendo; não ganhamos o campeonato, mas não é caso para te atirares da Ponte da Arrábida…

07 julho, 2006

O ESPÍRITO DA TERRA

Estas minhas férias, apenas dez dias, não tem muito que contar.
Estive em Manga do Mar Menor, voltei lá e que desilusão, cada ano que passa vamos encontrando os “paraísos terrestres” com mais cimento.
Não faço comentários, deixo-vos com as fotografias.
Depois, para matar saudades fui a S. Martinho do Porto, ver os arranjos… baaahh, não está mal, nem bem. Está diferente e esqueceram-se dos parques de estacionamento e do espírito da terra.
Como em tudo, hoje, o espírito também vai no entulho.
Bem que podiam ter entregue o projecto a um arquitecto… talvez ficasse melhor.
Não sei quem foi o “artista” responsável pelo projecto. Provavelmente um “artista”, que nunca teria deixado de ser desenhador no gabinete de algum arquitecto, se não tivesse um amigalhaço autarca, tão pacóvio quanto ele e que lhe deu a oportunidade de “autocadar” o projecto.
Sim porque desenhar eles já não sabem…
Sul de Espanha - La Manga

La Manga - por cima do casario, ao fundo, o farol do Cabo de Palos


La Manga - Praia dos Pinheiros (Mar Menor)

Salvou-se este bocadinho

Praia dos Pinheiros (Mar Menor)

Que desperdício. Então aqui este espaço não dava perfeitamente para construir um prédio de quinze ou vinte andares?... Só pinheiros e mais pinheiros que nem há lugar para por os pés.

(aih, se eu fosse o "alcaide do ajuntamento")

* * * * *

Quando eu era criança e mais tarde já um jovem com 18 anos, tive o privilégio de conhecer lugares como a Costa de Caparica, São Martinho do Porto, o Luso e mais tarde, homem casado ou em vias disso, conheci São Pedro de Moel, Vidago e Pedras Salgadas.

Em todos estes lugares, se encontrava patente, não se via, mas sentia-se um ambiente especial, tradicional, que se foi criando através dos tempos e passado como testemunho de geração em geração e que na falta de melhor termo, eu resolvi chamar de, Espírito da Terra.

Dele faziam parte, não apenas o aroma do mar, das flores, dos campos, mas também a harmonia das construções na sua arquitectura cuidada e equilibrada nas proporções.

Do espírito da terra, faziam igualmente parte, as pessoas. Não apenas aquelas pessoas elegantes que frequentavam esses lugares durante a “Seson“, como era habito dizerem quando se referiam á época de veraneio.

Faziam parte desse espírito também, as pessoas da terra, a quem por costume já conhecíamos e tínhamos por amigos.

Não apenas os mais humildes, como o senhor Luís e a senhora Júlia, moleiros da azenha, a quem os meus pais visitavam regularmente, não só para se deliciarem com a água fresca da nascente, como para me mostrar como era moída a farinha do pão que eu comia na cidade.

De igual modo, também cumprimentávamos a senhora do correio, onde íamos levantar ou depositar as nossas cartas, por vezes até telefonar. Sim, naquele tempo não tínhamos tele-móveis.

Faziam parte deste ambiente, o senhor Adelino, porteiro do hotel, a Graça dos bolos e tantos outros. O Quim Barbeiro, o Chico Zé, este último um pobre diabo que sabendo ler e escrever, publicava numa lousa as noticias da aldeia, que pendurava na porta da barbearia do Quim. Dela constavam, as mortes, os aniversários os nascimentos e até os casamentos. (Agora o Besnico está mesmo comovido)

De igual modo, se cumprimentava o senhor Conselheiro, o senhor Doutor, formado em Coimbra e que era o médico das termas.

Quantas e quantas tardes de conversa com o senhor doutor… tinha sempre histórias engraçadas para contar, fruto de muitos anos como médico de aldeia, num tempo em que o médico não ganhava o suficiente, para pagar as contas da farmácia, dos medicamentos que gratuitamente fornecia aos seus doentes mais necessitados. Valiam-lhe as consultas na Casa do Povo e no verão, as que dava aos veraneantes mais abastados que vinham da cidade, para fazerem as suas curas termais.

Chamávamos-lhe o “João Semana” por analogia com a figura do médico, criada por Júlio Dinis no seu conto “As Pupilas do Senhor Reitor”.

Parece que o estou a ver; alto, magro, olhos azuis, cabelo branco e com aquele porte de cavalheiro e uma maneira especial de conversar e reflectir sobre os assuntos, característica dos velhos doutores de Coimbra.

Quantas e quantas vezes em pleno Inverno, noite alta, contava-nos, era chamado a assistir a um parto.
Nunca se recusou, tenho testemunhos disso. Metia-se no seu automóvel e quando a estrada acabava, lá estava alguém, com uma candeia, um burro ou uma mula, para acompanhar o Senhor Doutor, serra acima, por onde os caminhos cobertos de neve, já não vão. Por perto, ouviam-se os latidos dos lobos. Assim, tantas vezes ao longo da vida, lá chegava a um casebre, onde á luz de uma vela, trazia para a luz da vida uma criança ou fechava para sempre os olhos de um moribundo.

- Quanto devo Sr. Doutor?...
- Ora deixe lá isso… o que é preciso é que o rapaz vá ás sortes.

E dizendo isto, lá se ia embora, serra a baixo, não sem antes, discretamente sobre a mesa, escondida por baixo da receita, deixar uma nota de vinte escudos.
(quando não é possível repartir a riqueza, que se saiba ao menos, repartir as dificuldades)

Nesses lugares por onde andei, respirava-se um ambiente de família. Deixem que vos conte.
Não irei identificar pessoas nem apontar concretamente nenhum sítio em especial. Mas o que vos vou contar, teve por cenário todos os lugares que acima já referenciei.
Como o “conto” é longo, hoje deixo-vos apenas com este bocadinho.

Se gostarem, voltarei amanhã com “O ESPIRITO DA TERRA II

ESTOU VIVO

A quem interessar, informo que estou vivo. Apenas me ausentei por alguns dias.

Primeiro, foram aqueles dez dias de férias, bem passados que serviram para aliviar as tensões do dia a dia.

Depois foi o problema com o meu computador etc. etc.



O "Besnico" em Cabo de Palos


Contemplando o "cimento"

MANGA DEL MAR MENOR

Finalmente, informo que desta vez vou mesmo de férias, não sem antes vos deixar o meu próximo “post” - O ESPÍRITO DA TERRA.

De qualquer modo, porque a idade não perdoa, estas férias não metem viagens por mar, pese embora o facto de estar a preparar um conto, que mete viagens de mar com termos náuticos, daqueles de procurar no dicionário e que vocês tanto gostam.

ATÈ AMANHÃ


- Está lá... Carlos!? Tenho outra vês o computador "bichado"...

- Sim... ainda te lembras como se escrevia à mão?... Uma máquina de escrever... pois!

- E as imagens?... compro uma tesoura... corto e colo, está bem... e para meter o som?...

- Pois... gravo em fita magnética e envio para o laboratório da Kodak na Suiça... são os melhores, fazem isso em pouco mais de um mês... está bem... Obrigado.

Ai é sempre bom ter amigos que sabem destas coisas!

28 junho, 2006

RESPONDENDO

A todos os que amavelmente me tem enviado E-mails deixo aqui a resposta que vos devo.
Vou citar de memória Francisco Rodrigues Lobo, escritor português natural de Leiria, Doutor em Direito (1579 – 1621), por este motivo peço desculpa por qualquer incorrecção pois a minha memória pode falhar…
Em carta que enviou ao Sr. Conde de Castanheira, dizia assim o escritor:
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- É tão grande a violência o não responder, que até os penhascos puros respondem, e para as vozes tem ecos.
Ao contrário, fez a natureza surdos, os mudos, pois se ouvissem e não pudessem responder, rebentariam de dor.
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Não conheço verdade tão verdadeira. Por isso meus amigos deixo aqui a resposta aos vossos E-mails aos quais ainda não respondi:
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- TENHO O MEU COMPUTADOR “BICHADO”.
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Com a ajuda de um amigo, técnico muito qualificado, já lá vão duas noites sem dormir e o maldito não desiste de nos pregar partidas, principalmente na parte do tratamento de imagens, recuperação de filmes antigos e DVD’s etc.
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Com o sono que tenho, e a idade não perdoa, estas “directas”, estão a acabar com o Besnico. Mas penso que hoje fica o problema resolvido. Depois… depois vou dormir e amanhã já darei sinais de vida.
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Entretanto façam uma visita aos “Escritos de um Analfabeto”
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Beijitos e abraços a todos aqueles que por mim “precurarem”.

20 junho, 2006

DESCULPAS e AGRADECIMENTOS

AGRADECIMENTO COLECTIVO

Queridas amigas e amigos

Já voltei de férias.
Quero agradecer a todos quantos durante esse tempo me mimaram com os vossos comentários.
Vou responder a todos, logo que possível.

Obrigado


PEDIDO DE DESCULPA

ESTOU ENVERGONHADO – Não tenho o costume de mentir ou enganar as pessoas, mas desta vez não posso cumprir, pelo menos para já.

Por motivo de condições climatéricas adversas, alterei o meu itinerário de férias.
Por esse motivo não fui visitar a minha amiga, a tal que vos queria mostrar em pelo.
Embora possa estragar o impacto que queria causar com a fotografia da desavergonhada, vou tentar encontrar uma fotografia dela quando era mais nova ainda, já lá vão três anos.
Mais coisa, menos coisa, foi quando ela começou a andar comigo…
Linda… linda de morrer. Olhar inteligente, sensual e um sorriso que poderíamos considerar de orelha a orelha. Muito mais meiga e compreensiva do que a outra para quem eu escrevi o “soneto” - pelo menos esta nunca se furtou ao encontro… esperava-me sempre… mas desta vez quem faltou fui eu.
Todavia não sei se consigo encontrar essa fotografia e pior ainda se a consigo “postar” aqui, de modo a valer a pena.
Tenham paciência e perdoem-me

Bem tenho igualmente que ver, se nessa fotografia eu estou decente. Quero dizer, se não se nota muito a minha barriguita que na altura parecia uma pipa de 50 litros… Não, não estava gordo. Foi dum acidente no mar, quando eu engoli uma defensa do barco. (esta é velha, já não tem piada)

Beijitos e abraços para todos.
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Vá lá, eu sou bonzinho, não precisam de ir ao dicionário ver o termo náutico, defensa. Trata-se de uma espécie de almofada, que nos barcos de recreio podem ser insuflaveis, normalmente em forma de bola outras vezes com aspecto de um chouriço, muitas vezes substituidos por um pneu, que se suspende da borda por um cabo, para amortecer a pancada com o cais de amarração e não ferir o casco quando este não tem verdugo ou para evitar que as embarcações quando de braço dado, sarrafem umas nas outras.
Bolas, é preciso explicar tudo! (se me sai aqui um médico a falar do "mastoideu", é que eu estou tramado - mas eu arrumava com ele dizendo que o nosso mastro tem muita guinda e pouca palha, isto, já para não falar do galindréu...)

TALVEZ UM DIA FINOMELA…

Talvez um dia sintas vontade
Talvez um dia por necessidade
Talvez um dia ao cair da tarde
Talvez um dia, demasiado tarde…

Talvez um dia queiras falar,
sintas vontade de me beijar
Vai ao Farol, junto ao penedo
Mata as saudades nesse rochedo

Sente no vento o meu abraço
Escuta do mar a minha voz
Olha as gaivotas que falam de nós

Talvez um dia, demasiado tarde,
recordes ainda nesse rochedo,
Quando cheguei e ainda era cedo…


Escrevo o que sinto, não sou um poeta.
Não tenho métrica, nem rima certa
E se o que escrevo, o não dita o coração
Já sei o que sou… sou um aldrabão.

05 junho, 2006

GUARDA DE HONRA

Vou estar ausente alguns dias. Vou de férias, antes da chegada dos turistas, mas desta vês vou por terra; onde tenho igualmente outros amigos que aguardam a minha visita.
Claro que vou ter saudades vossas, mas até lá, fiquem com esta história e outros amigos que vos apresento.
Até breve.

Ainda não vejo terra, mas sei que já estou perto.
Não lhes enviei E-mails, nem lhes telefonei a saber se estariam em casa, pois poderiam desconfiar e eu queria surpreende-los.
.
Aproximo-me silenciosamente, pé ante pé, que é como quem diz, milha após milha, a uma velocidade de cerca de 9.5 nós ao sabor do vento.
Subitamente o surpreendido sou eu. Só poderia ser coisa daquela tartaruga "linguaruda" que cumprimentamos ontem.
Lá estavam todos à nossa espera, com os seus sorrisos francos e os olhitos a brilhar de contentamento.
Não eram sorrisos de circunstância, porque se me permitem a expressão, sorriam também com os olhos.
Fiquei feliz por voltar a velos. Sei que gostam de mim e eu gosto deles.
Em corridas, acompanhando o nosso andamento, bem na nossa frente, outras vezes deixando-se ultrapassar, para regressarem depois. Por vezes saltando fora da água e emitindo sons especiais como que a dizer-nos:
- Venham atrás de nós que vos indicamos o caminho.
Suspenso do arnês, debrucei-me da borda para lhes tocar, mas estava demasiado alto. Por segundos, apoiado na cauda, um deles esperou que eu passasse por ele e disse-me:
- Olá Besnico, bela surpresa esta!
No horizonte desenhavam-se já claramente, os contornos mais elevados da ilha; deveríamos estar a pouco menos de 25 milhas.
Cerca de quatro horas depois, acompanhados por esta escolta, demos entrada em Porto Santo, com pompas de chefe de estado.
Eles são a nossa Guarda de Honra.
.
Quando eu voltar, se tiver sorte e ela estiver pelos ajustes, quero apresentar-vos uma amiga minha, em pelo... Não perdem por esperar.
Beijitos e abraços, fiquem bem até breve.

01 junho, 2006

ALTO LÁ! - ASSIM É OUTRA CONVERSA

Em resposta ao comentário do nosso amigo Jorge Esteves.
Alto lá, amigo Jorge!

Assim o caso muda de figura… abcissas !?... Já podia ter dito homem; vou já ter consigo ao Porto.

Abcissas !... Não há nada mais romântico do que um jantar à luz da vela, no Cais de Gaia, com a cidade do Porto, iluminada, em pano de fundo, na companhia de uma abcissa.

Depois, noite fora, ocasionalmente, até pode ser que surja em paralelo, uma conversa sobre paralelos ou mesmo meridianos…

Sim, que estas coisas da navegação, tem muito tema para conversa.
Agora é que eu vou ser crucificado, quando as abcissas lerem isto...
Desculpem eu prometo que não volto...

29 maio, 2006

LINDAS DE MORRER

Gosto deste escrito, tirei-o do meu outro blog, não gosto nada desta palavra, blog !?...
Se ainda não tinham lido, podem ler agora, se já tinham lido, não leiam mais. Mas eu gosto dele e fica aqui. É o meu tributo a uma das obras mais belas da natureza, Elas, as mulheres.
.
Não há nada mais belo e reconfortante para o meu espírito, do que o encanto de uma “Senhora Maior”, da minha idade, mais coisa menos coisa.

Nestas idades maduras, mais do que o sexo é o encanto, a sedução, a promessa que não passa disso mesmo. O belo, a suavidade elegante sem exuberâncias, o saber, a insinuação do tudo e do nada, o mistério… talvez por isso eu gostei tanto do filme “Perfume de Mulher”.

São lindas as meninas da minha idade – é vê-las na baixa de Lisboa, na pastelaria Versalhes, na Foz no Porto, no Bambi ou no Central em S. Pedro de Moel, na pastelaria Garrett no Estoril. Em todos os sítios que perfumam e alegram com a sua passagem.

São lindas; seguras de si, altivas sem arrogância. Naturais sem serem simplórias, com um quanto baste de vaidade, nem demais nem de menos, apenas a medida certa, o necessário e suficiente.

Elegantes, discretas… e os cabelos?!... Verdadeiras obras de arte, bem cuidados, bem penteados, algumas vezes propositadamente despenteados, apenas a fazer de conta, o que lhes empresta um ar amalucado, terrivelmente sedutor, um toque de desalinho que apenas aumenta o encanto.

São lindas as meninas da minha idade.

Deslocam-se, mas não andam, deslizam, sem tocar o chão.

Não falam, apenas murmuram poemas de marés e flores.

Olham sem olhar, e quando reparam em nós, reparam sem reparar.
Por vezes nos seus lábios formam-se sorrisos, sem chegarem a sorrir, apenas o suficiente para que adivinhemos que também podem sorrir.

Os seus olhos, enviam-nos mensagens, sem nos olhar… nada demais, apenas para sentirmos que também podem amar.

São lindas as meninas da minha idade.

Se consentem que percebamos que reparam em nós... que emoção, enche-nos o ego, parecemos colegiais:
- Ela reparou em mim!... é agradável, reconfortante, sentir que apesar de sermos uns “rapazolas mais antigos”, por uma ou outra vez, ainda despertamos a atenção de uma menina da nossa escola. É então que se renovam os instintos, a caça e o caçador. Quem é quem?!... não interessa, ninguém quer um troféu é apenas um jogo; o jogo da sedução.

Mais importante do que o sexo, é o jogo da sedução. O sexo é apenas o arrumar das cartas no final da partida.

Quantas vezes nalgumas julgamos reconhecer alguém. Quantas vezes como adolescentes, com o coração a bater, pensamos ter reconhecido esta ou aquela. Quantas vezes porém dizemos para nós próprios:
- Não pode ser, com aquela idade só se for filha…

São elas as meninas da minha idade que mantêm um homem vivo.
São lindas as meninas do meu tempo, são lindas as meninas da minha escola. Adoro-vos.
Obrigado por serem como são.

Passei-me. Isto não é coisa que um homem de respeito escreva. Que vergonha.

11 maio, 2006

AUTO-RETRATO

Conta minha mãe que quando eu nasci, pelas três horas da manhã, já naquela altura tinha a mania das noitadas, a enfermeira mostrou-me à família e a minha mãe achou-me terrivelmente feio. Todavia, umas amigas de família, não se cansavam de repetir – Ester, não digas isso o menino é lindo, lindo.

Talvez que minha mãe, com a sua sensibilidade de mulher e mãe, não estivesse a ver a beleza física da criança, mas sim a fealdade moral do monstro que acabava de gerar. Pobre mãe... tenho pena de todos aqueles que me conheceram, tenho o fatal condão de destruir tudo aquilo em que toco, tudo aquilo que amo.

Uns anos mais tarde fui a Madrid visitar a avó de um amigo meu, uma dessas que 26 anos antes terá dito que eu era lindo. Ao chegar a casa, a idosa senhora, cega pela diabetes, pediu para que me aproxima-se, assim fiz e ajoelhei-me a seus pés. Demoradamente com as mãos, tacteou os meus cabelos, percorreu o meu rosto e deteve-se afagando as minhas barbas. Depois soltou esta exclamação:

- Meu Deus… parece um cão!

04 maio, 2006

O PODER DO ZIPPO ou Histórias de Marinheiros

Os rapazes da minha idade, todos eles conhecem o isqueiro Zippo. Caixa de aço, uma mecha, uma pedra e gasolina - fabrico Americano e entre nós, vulgarmente chamado o “Ronson da Picada”.


Este objecto basicamente utilizado para acender cigarros e não se apagar com o vento, foi bem mais do que isso, uma verdadeira “bomba incendiária”. Em que alguns modelos, escondiam uma pequena câmara fotográfica.

Recentemente estão de novo a lançar no mercado este modelo, mas já equipado com câmaras digitais; modernices…


Nas viagens por mar, que fazemos no veleiro do meu cunhado, com amigos e família, sim que as nossas mulheres também alinham nisto… Tem muito medo mas pouca vergonha. Quando o mar está mau protestam; como se nós tivéssemos culpa disso. Mas mal saíram de uma, as desavergonhadas, já estão a combinar a próxima viagem. Quando as coisas se complicam, regressam de avião e os lacaios que tragam o barco – afinal os marinheiros são eles… bonito!


Bem, mas não era nada isto que eu vos queria contar. O que quero contar é o meu poder com o isqueiro Zippo.


Eu e o meu cunhado, somos dois amigos inseparáveis - sim porque uma desgraça nunca vem só, a minha estava em promoção, trouxe as irmãs e os cunhados. Também veio a sogra, mas essa sim, uma santa senhora. Não é para me gabar, mas ela também teve sorte com os genros que lhe calharam e se as coisas corriam mal, ela vingava-se.

Fazia bolinhos de bacalhau, que eu adoro, só que os meus fazia-os com algodão em rama e este parvo, de início, passava o tempo todo a mastigar e não conseguia engolir. Isto já para não falar das “sopinhas” que me fazia. Eu detesto sopa. Claro que eu retribuía com outras “mimosidades” e assim, entre afectos e traquinices, vivemos uma vida toda em completa harmonia e profunda amizade.


Mas voltando ao meu cunhado e ao meu poder com o isqueiro Zippo, facilmente se compreende que dois “galos na mesma capoeira” que é como quem diz, dois comandantes no mesmo navio, só pode dar discussão.

As nossas mulheres chamam-nos os dois marretas. Ora porque um entende que o vento está muito forte e é melhor rizar pano e o outro acha que não; ou porque o outro entende que deve rumar mais não sei quantas horas naquela direcção para apanhar melhor vento e o outro acha que o tempo que se vai perder nesta manobra não virá a compensar com o que se ganha se mantivermos o rumo, ainda que em andamento menos rápido, etc. etc. etc. já para não falar, das argumentações técnicas sobre a exactidão dos cálculos náuticos de cada um.

Neste particular a introdução do GPS veio tirar a graça toda às discussões, não tarda que consideremos a possibilidade do regresso ao velho sestante ou ao astrolábio.


Nestas discussões até a terminologia náutica muda, para gáudio dos nossos “passageiros”. Coisas tão simples como uma roda de leme, podem mudar de nome e dar origem a uma expressão como esta:
- Larga essa merda, ou não sabes o que vais a fazer?…


Sem falsas modéstias, ambos estamos bem preparados para aquilo que estamos a fazer, mas estas picardias fazem parte do divertimento, muitas vezes propositadamente levadas ao exagero para divertir as senhoras.

Reconheço todavia ao meu cunhado, mais prática e um espírito de marinheiro superior ao meu, (mas só um pouquinho mais - nada de abusos) na realidade sempre fui mais piloto de aviões do que de barcos.

Mas é na hora de acender o cigarro que eu brilho.


Nessa hora ele rende-me homenagens de comandante. Nessa hora eu tenho o poder. O poder do Zippo.


Quando o seu miserável isqueirinho a gás não funciona, ou se apaga com o vento, ihh ihh ihh é a minha vingança.


Começa por remexer nos bolsos. Depois... o isqueiro não acende e eu finjo que não percebo.

No escuro da noite ele não pode ver o meu sorriso perverso; e digo para comigo - tás lixado, se queres fumar vais ter que ir lá abaixo procurar fósforos, mas vais ter que me pedir para te substituir, que com o mar que está o piloto automático não aguenta o barco.


Pouco tempo depois ele olha para mim, e eu faço de conta que não percebo. Então, ele pergunta se eu quero fumar e eu respondo com outra pergunta:


- Tens os cigarros molhados? Apetece-me gritar VINGANÇA.


Não, responde ele, a merda do isqueiro não acende.


Então, explorando ao máximo aquele momento, meto um cigarro na boca, acendo o meu Zippo, puxo-lhe a patilha para trás para a tampa não se fechar e atiro-lhe o Zippo aceso, que ele apanha no ar.

Vencido, acende o cigarro, fecha a tampa e devolve-me isqueiro pelo mesmo processo, dizendo:


- Estas merdas são boas… substitui-me ao leme que eu vou lá abaixo fazer café. Também queres um?


03 maio, 2006

TRAQUINICES ou Conversas e Pasteis de Nata

Este fim-de-semana fui lá.



Estava sozinho, como a maior parte das vezes e resolvi lá ir. Não sei bem porquê mas fui.
Fui na esperança de a ver, ainda que a uma distância prudente, para evitar complicações.
Ao que eu cheguei… estou a ficar maluco e eu que me julgava uma pessoa decente. Eu, que nem aos quinze anos ia esperar as miúdas à saída do liceu.

Sentei-me na esplanada dum café, em local bem visível, naqueles sítios agradáveis, bem frequentados, que todos os meios pequenos tem, para esconder quem quer ser encontrado. O chamado “picadeiro”.

No pensamento a ideia louca de a encontrar… e se a encontra-se como seria? … Provavelmente fugia, saia discretamente para evitar o escândalo. Sim, tanto quanto me lembro a “gata” arranha, ainda será assim?... ou será que a idade já colocou mais bom senso naquela cabeça?

Bom senso… que digo eu? … bom senso seria mesmo eu não estar ali.

Mas porquê esta fixação em alguém que há mais de 35 anos correu comigo, da maneira mais brutal e desapiedada, sem uma razão aparente, sem direito a uma explicação. Um ponto final abrupto numa história de amor onde tudo era perfeito, demasiado perfeito para ser real.
Se na altura tivesse aparecido outro cabeludo na história, ainda compreendia, mas durante alguns anos não havia outro nesta história?!... Nem outra, entenda-se.

Que ela era louca, eu sabia. Mas era essa loucura que a tornava tão atraente.
Ainda me recordo da primeira vez que nos encontramos e muito a medo, sim que nessa altura havia nesta história uma outra e um outro; sem compromisso é certo, mas igualmente dignos de respeito. Fomos lanchar á Versalhes, na Av. da República em Lisboa. Que emoção, ela estava linda, ela ainda é linda, a minha “provinciana” sofisticada, elegante, de maneiras delicadas (quando não arranha), uma menina.

Mas que estou eu aqui a fazer!? E se ela aparecer?... se ela me falar, mal ou bem… o que digo o que faço!? … Meu Deus, fujo, escondo-me?... Se ela me trata mal é um escândalo, na frente destas pessoas que nos conhecem. Se ela me fala bem, ainda é pior, terei depois forças para partir?... Mas sei que não posso ficar, não é licito, não deve, nem pode ser assim.
Parvo, estúpido, estás a criar uma situação perfeitamente idiota.
Mas o tempo passava e nada disto aconteceu.

Na mesa ao lado cumprimentei um casal que vagamente conheço dali, pouco depois troquei comentários com mais duas ou três senhoras que se juntaram ao casal, naquela amena tarde.

Talvez seja isto que me faz andar como uma alma penada por aquele sítio. As amenas e tranquilas cavaqueiras de fim de tarde, falando de tudo e de nada, futilidades e comentários sobre os pasteis de nata, conversas despretensiosas, sem que cada qual tente impingir aos outros a importância dos seus profundos conhecimentos e do seu alto valor social ou do relevo da sua pessoa no tecido politico e governamental da nação. Sabendo eu, porque sei, que todavia um ou outro dos que por ali aparecem, foram ou ainda são, parte do verdadeiro sustentáculo da própria nação.

Gosto de ali estar, com esta gente boa e despretensiosa, que não franze o sobrolho com agressividade quando fala, e mesmo quando em desacordo, intercala nas palavras um afável sorriso… já há tanto tempo que não via um sorriso quando alguém falava; natural, espontâneo. Já há muito tempo que tinha perdido o sabor e a sonoridade das palavras tranquilas, sem pressas, sem atropelos, como se tivéssemos todo o tempo do mundo e o nosso mundo e o nosso tempo fossem apenas e exclusivamente para dedicar aos amigos e conhecidos nestas tertúlias de fim de tarde em S. Pedro de Moel.

Ela não veio, o sol desceu no horizonte e até a despedida foi suave tranquila, como se cada qual quisesse demonstrar que tinha pena de partir. No ar, porque não me conheciam bem, ficou o discreto, mas sincero convite, de que seria bem vindo no próximo fim de semana.

31 março, 2006

UMA ILHA, BANANAS E PONCHAS

Vou passar alguns dias na “Pérola do Atlântico”.

Adoro a Ilha da Madeira, um local onde tudo se move á minha velocidade. Um local onde não vale a pena correr, porque a ilha acaba ali mesmo.

Uma verdadeira Ilha, pedaço de terra rodeada por bananas e flores por todos os lados. Cascatas de vinho e lagos de ponchas em cada recanto.
Um paraíso para mim que sou abstémio, nunca bebo água. Tal como o capitão Adoc, (histórias do Tim Tim) também sou membro da Liga dos Marinheiros Anti Alcoólicos.

A ilha tem tudo:
- Sol, primavera todo o ano. Mar com água a 26 graus, vegetação exuberante, flores, flores e mais flores. Neve, por vezes também neva nos picos.

A gente da terra é simpática e afável, digam lá o que disserem; até o Alberto João… (este também não bebe)

A alimentação é uma maravilha:

- O Bolo do Caco, com manteiga de alho. As Espetadas, os “Filhétes” de Espada, as Castanhetas fritas, as Lapas… e a doçaria !? … o Bolo de Mel, a Malassada, com mel de cana, os rebuçados de funcho… ahii ahii !

Dos vinhos nem vos falo… que eu até nem bebo, mas tenho ouvido falar…
O Sercial (seco), o Verdelho (meio seco), o Boal (meio doce) e o Malvasia (doce). Todo coisitas leves, “auguitas” de 17, 18 graus, upa upa.

Mas do que eu gosto mesmo é da Poncha… meu Deus, passo o ano todo a sonhar com a minha ida anual, “bi-anual”, “tri-anual” à Madeira e ao Parque Natural do Ribeiro Frio, aos viveiros das trutas… eu disse TRUTAS, não sejam mal intencionados. Lá não há disso, seus mal educados… isso é… no estrangeiro, no ess trannn geeei ro, entendem?

Igual ou melhor do que o chocolate quente no Central em S. Pedro de Moel, só a Poncha do Victor’s Bar no Ribeiro Frio.

E a terra !?

Santana com as suas casinhas típicas… Porto Moniz, com as suas piscinas naturais, o Parque das Queimadas e a poncha!... não era isso, queria dizer as paisagens… as paiisaagenns, topas?!

Bem vou apanhar o avião, e vou tomar uma pon... água, que este post fez-me sede. Vou ver se aprendo a pôr música nisto, etc. etc. etc. … As fotografias virão depois.

Até breve, fiquem bem.

Uoolhe! Uma poncha por favor… é p’rá “rouqueidão”, faz muito “freio” lá no “contenente” e um homem fica assim… copoafónico. “Iste” faz-me bem.

O Besnico di Roma tem também outro blog ESCRITOS DE UM ANALFABETO

http://besnicodiroma.blog.pt/

27 março, 2006

AO SABOR DO VENTO


Hoje, lanço ao mar e à aventura este meu novo Blog, na esperança de que bons ventos o transportem até um porto seguro, de águas abrigadas, onde este velho marinheiro possa fundear em segurança e tranquilidade.
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Cansado desta longa viagem, onde por vezes enfrentei adversos ventos e alterosas vagas; quantas vezes roçando a quilha por perigosos baixios nos quais vi jeitos de naufragar, resta-me apenas a perspectiva, no final da viagem, entre um caneco e outro, o convívio com a família e os amigos, mesmo aqueles cujos rumos divergiram em busca de melhores ventos, até que uma maré me leve.
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Agradeço à minha heroica tripulação, Mulher, Filhos, Cunhados, Primos, Sogros e Pais e a tantos outros, que comigo partilharam amenas singraduras, ou, debaixo de temporais imensos, rizaram panos e espertaram cabos, bordejando altos promontórios da costa em bolinas cerradas e que nem por um minuto, nos seus quartos de vigia, por fadiga ou desalento, adormeceram ao leme. Verdadeiramente sois vós, os heróis desta viagem.
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À minha mulher (a Batatinha), deixo aqui um carinho muito especial.
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Naufrago, encontraste-me na praia, ferido, exausto, moribundo; recolheste-me, trataste de mim, não me perguntaste quem era, de onde vinha, nem para onde ia; apenas tiveste esperança que ficasse e por vezes talvez, em segredo, terás desejado que partisse... Nunca te enganas-te, nunca tiveste ilusões, nunca te enganei.
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Tudo o que fui, tudo o que sou, te devo a ti. Procuro retribuir, como posso, como sei, com carinho, com amor.
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Lá no fundo, sabias, sabes, presentes, sempre soubeste, que em rochosos baixios, em algum ponto da costa, numa escarpa sobranceira ao mar, existe a sombra, apenas a sombra, de uma sereia, daquelas figuras místicas que se crê fazerem perder os marinheiros e naufragar os navios.
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Por tudo isso, por não te saber amar mais, não peço que me perdoes, não tenho perdão, abandona-me apenas na praia onde me encontras-te.
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Eu, apenas espero cair adormecido junto ao meu barco varado na areia, ambos envelhecendo até que as ondas, numa qualquer maré grande, nos levem aos dois.
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