07 setembro, 2006

A SETIMA ONDA ou A Loucura do Capitão


Sentado na mesa de cartas, Besnico ia pensando, não já do que para trás deixara em terra, mas da melhor manobra a executar para apanhar melhor vento e dar mais andamento ao navio.


Mandou o piloto confirmar a velocidade, onze nós, não tinha pressa. Não fora a tripulação e se o navio não chegasse a parte alguma, não lhe faria qualquer diferença.


O oficial de comunicações, abeirou-se dele e informou:
- Uma mensagem para si.


Era de um amigo, que entre outras coisas, o informava de que deveria ir ver o seu “blog”.

Besnico sorriu, quantas facilidades a tecnologia hoje permite… ligação à Internet em alto-mar…


Enfastiado, encostou a cadeira para trás e adormeceu a contemplar o pôr-do-sol no horizonte.


Era já noite alta quando acordou e lembrou-se da mensagem do amigo.


O timoneiro tinha saído de quarto e agora ao leme, á luz difusa da bitácula, estava um jovem que lhe confirmou o rumo, 230º.

Seguiam agora com melhor andamento numa, navegação mais estável e o navio adornado para bombordo por um vento de 25/30 nós que lhes entrava pelo través, embalava-os mar fora pela escuridão da noite.

No tombadilho apenas se ouvia o marulhar das águas contra o casco e a melodia do ranger do aparelho que jogava com o balanço do navio.


Para o Besnico a vibração do vento nos brandais e o tilintar das adriças, completavam a orquestra, como acordes de violoncelo.

Lá fora a visibilidade era nula, apenas em volta do barco, principalmente na esteira, uma leve fosforescência do plâncton das águas, que emprestava à espuma das ondas uma luminosidade branco azulada, como que se os espíritos daqueles que se perderam no mar, estivessem a acompanhar o navio.


Besnico, voltou para a cabine, depois de caçar um pouco mais a escota da mezena, abriu o computador e viu a imagem de uma rosa e apenas uma frase; as suas palavras para mim… como título – São rosas senhor


No passado, quantas vidas desfeitas, quantos enganos e desencontros por não ser possível, como hoje, ter a bordo comunicações via satélite.


Nervoso, precipitado, correu para a mesa de navegação, uma vista de olhos ao GPS e assinalou desajeitadamente na carta a posição do navio. Uma série de cálculos; não estavam longe, o sol iria nascer dentro de pouco tempo, esperaria o suficiente para não arriscar a tripulação, com uma manobra de panos á noite. Seguidamente informou o piloto:
- Dentro de 90 minutos ligar o motor e arrear panos.
- Mas comandante, a motor teremos um andamento mais lento!?...
- Depois comunico-lhe o novo rumo.


Besnico sabia, mas também sabia que não poderia navegar directamente contra o vento, que agora estava a entrar pela poupa. Precisava pelo menos de um ângulo superior a 35º, o que o obrigaria a fazer um demorado bordo para o meio do Atlântico subindo em latitude e depois, traçar novo rumo e fazer novo bordo seguindo numa lenta navegação de largo, para atingir a costa no ponto que desejava.


Navios deste tipo, são lentos. Navegam bem à poupa mas tem dificuldade em bolinar, ao contrário dos modernos veleiros de recreio.
A motor, são igualmente lentos e a configuração do casco, não só permite grandes abatimentos, como em determinadas circunstâncias se tornam extremamente incómodos.


Na coberta, fazia-se já sentir o movimento dos tripulantes na manobra de arrear panos.


Alguém gritou para o timoneiro - orça, orça!... a bombordo outra ordem – folga… folga a escota do estai, caraças… mais… dá toda!


O navio entrara na linha de vento, o barulho dos grossos panos a bater e o chicotear dos cabos, emprestava ao ambiente, para quem não estivesse acostumado, um aspecto aterrador.


Novamente alguém advertiu, cuidado atenção á cambadela!... no exacto momento em que a retranca se deslocou mas sem violência, fora apenas o balanço do navio; o último pano estava arreado.


Trim-tim, na casa da máquina o telégrafo deu sinal – Atenção à Máquina. Pouco depois, trim-tim-tim – Meia Força à Vante. O navio que quase parara estava agora com seguimento.


Nova ordem foi dada ao timoneiro:
- Volta de 180º por Estibordo.


O navio começou lentamente a rodar e algum tempo depois nova ordem:
- Pare a volta – governe a 035º.


Navegando de “árvore seca”, apoiado apenas no motor, não tardou que o navio se erguesse na proa para depois cair pesadamente no mar com estrondo, deslizando onda abaixo para se enfiar de proa na outra onda que se levantava na sua frente. Alguns intermináveis segundos, e eis que volta a subir, com toneladas de água a varrer o convés de proa à popa, saindo violentamente pelas portas-de-mar como que fossem longas barbas brancas.


No tombadilho, apanhados de surpresa, dois tripulantes que não se recolheram a tempo, agarrados aos brandais para não serem arrastados, pensavam que o comandante tinha enlouquecido.


Obstinadamente, durante mais de uma hora, seguiram nesta incómoda navegação.


De pé, olhando para fora, alheado de tudo e em silêncio, estava o comandante.


Por fim, como que acordando para a realidade, deu-se conta que o imediato olhava para ele com ar apreensivo.


Com um assentimento de cabeça, sem uma palavra, poisou-lhe amigavelmente a mão no ombro.


A velocidade tinha baixado, não conseguiam mais do que uns modestos 8/9 nós.


Besnico, não sabia o que lhe tinha passado pela cabeça para determinar uma manobra assim; e o mar até que não estava mau?!... onda de cerca de 3 ou 5 metros, nada mais. Um verdadeiro mar de senhoras.


O Imediato, como que lhe tivesse adivinhado o pensamento, comentou:
- Ai as mulheres… as mulheres são o diabo!


Besnico, assumindo uma posição de comando, retorquiu:
- Imediato, assuma o comando e efectue a manobra. Vou descansar um pouco.


Deitado no seu beliche, Besnico sentiu que o navio começava a rodar e pouco depois sentiu que tinha sido reduzida a potência do motor. Pela inclinação percebeu que tinham sido já içados os panos. O mesmo mar, a mesma onda, apenas uma mudança na atitude do navio e tudo voltou à calma. Como que o mar tivesse amansado. Não compreendia o que lhe tinha passado pela cabeça?!...


O n/v “Maria Pedrógão” sulcava agora tranquilamente as águas, a uma velocidade de 13 nós, cortando transversalmente as ondas, apoiado no motor, ao qual se juntava a ajuda e o equilíbrio do estai e da mezena.


No dia seguinte, tinham subido em Latitude o suficiente para mudar de bordo. Traçado o novo rumo, apenas uma precaução:
- Imediato, ponha alguém com atenção ao radar, vamos atravessar uma zona de tráfego marítimo intenso. Quero dois vigias á proa durante a noite; atenção ás embarcações miúdas de pesca.

O dia amanheceu claro, o Comandante almoçou com a tripulação, depois junto á costa o navio imobilizou-se, ficando a pairar.


Besnico chamou o Imediato:
- Mande arrear um escaler com oito remadores. Vou desembarcar.
- Comandante o escaler tem motor de 60 c/v!?...
- Oito remadores!... vou a terra, a rebentação está forte, se esse velho motor se engasgar, como é?...


Para além disso, os motores tem uma potência limitada, que quando atingida mais não dá, é o limite. Os remadores são um acréscimo; aprendi com um velho Lobo do Mar, que o limite da capacidade humana é a vontade, o querer, e o limite ainda não foi atingido. Por isso acredito que esses oito mancebos, poderão valer mais do que um limitado motor de 60 cv.


Fazendo a saudação, Besnico acrescentou:
-Imediato, o navio é seu, vou desembarcar, assuma o comando.


O comandante desceu pela escada de quebra-costas, saltou para o escaler e pegando no pau de croque afastou do navio a pequena embarcação.


Vamos desembarcar na praia, inquiriu o piloto?... Não, apenas Eu vou desembarcar, respondeu o comandante.


Desembarcarei a cerca de cento e cinquenta metros da praia, antes de entrar na rebentação, na zona em que as ondas se começam a formar, governe paralelamente á costa, para eu sair.


Mas comandante, passa já da segunda hora de vazante, quando a corrente começa a ter mais intensidade. Não se vai atirar!?... perguntou atónito o piloto.


- Esse problema é meu; o seu, é regressar com estes homens em segurança ao navio, não entre na zona de rebentação. Entendeu?... é uma ordem!


Dizendo isto, tirou a pesada camisola, descalçou os sapatos e entregou o boné ao piloto dizendo:
- Entregar-mo-á mais tarde. Assuma o comando da embarcação.


Em silêncio, os remadores levantaram os remos e Besnico saltou afastando-se em vigorosas braçadas.

O sol escondia-se já no horizonte, aproveitou uma onda que se estava a formar, para com ela tentar alcançar a praia.


Arrastado pela corrente, estava um pouco mais para sul do que pretendia. Não iria sair na areia, mas um pouco mais abaixo, na zona das rochas; tinha consciência disso.


A onda elevou-se, subiu, subiu, até perder a base de sustentação, quebrando violentamente.


Besnico viu-se envolvido por um turbilhão de água; raspou pelo fundo bateu nas pedras e por fim surgiu á superfície aliviado por poder voltar a respirar.


Estava mais longe, do que quando começara. A ressaca da onda tinha-o atirado de novo para o mar.


Não perdeu o alento, apenas mais umas braçadas e estaria a salvo.


Nova onda atirou-o de encontro as pedras e uma poderosa força arrastava-o para o fundo.


Olhando para cima, podia ver faixas de luz difusa que desciam, convergindo na sua direcção… descontraiu-se, respirou fundo… e sorrio.


Na superfície da água podia ver a Casa de Maio; no jardim, Maria cuidava das suas rosas… Rosas de Maio, pensou.


Estava tranquilo; já nada lhe importava… aliás não tinha, nunca teve importância alguma. Porque no final, tudo não passava de uma romântica história, para “postar” num blog…

9 Comments:

At 07 setembro, 2006, Anonymous Anónimo said...

O gajo é doido. Matar-me por causa de uma mulher. Tá bem, tá.

 
At 07 setembro, 2006, Anonymous Anónimo said...

Não acredito que não se safe...Um velho lobo do mar habirtuado a ler no tempo, de rosto tisnado pelo sol e curtido pelo sal, habituado a tratar por tu um velho Patacho altivo ( calculo que navegue num patacho pelo aparelho...).
A minha venia, Comandante pela história...
Quem sabe um dia nos encontramos proa a proa mar adentro...

 
At 07 setembro, 2006, Blogger Maria P. said...

Por aqui deixo um sorriso de Maio...

 
At 08 setembro, 2006, Anonymous Anónimo said...

Eu sei que são histórias. Mas são histórias bonitas!

 
At 08 setembro, 2006, Blogger Besnico di Roma said...

OLINDA - Ainda bem, minha querida amiga.
Vejo que é uma menina lúcida. (menina, senhora doutora)
Mas infelizmente algumas pessoas (maravilhosas é facto) levaram isto à séria… e mais não digo.
Provavelmente, com muita pena minha vou ter de acabar com o “blog”, para não fazer mal a mais ninguém…
Beijitos e obrigado.

 
At 08 setembro, 2006, Blogger APC said...

E o menino "Besnico José di Roma Vasconcelos" também é um homem lúcido. Saberá que o passar do tempo sobre as coisas também as altera...
Este teu blog não vai acabar coisíssima nenhuma!:-)
Digo-o e Besnico-o!
:-*

 
At 08 setembro, 2006, Anonymous Anónimo said...

Capitão?
Não abandone o Navio, não!
Contamos consigo!

Ass: A tripulação

Dois beijos nessas suas barbas rabujentas!

Princesa

 
At 08 setembro, 2006, Blogger Besnico di Roma said...

apc – Estás a cometer um erro. Eu não me chamo José de Vasconcelos.
As iniciais do meu nome estão no e-mail, e como tu mesma podes verificar, nenhuma delas coincide.
Se não rectificares o comentário tenho que o remover.

 
At 08 setembro, 2006, Blogger APC said...

Besnico, eu tava a brincar contigo. Tens ideia do quão óbvio isso te deveria ter parecido?...
É claro que sei quais as tuas iniciais, pois se já me respondeste a emails. E é claro que eu não iria usar o teu nome completo no blog, ainda que o pudesse saber, não achas tu?
Por Deus!... Não te pareceu claro que eu estivesse a brincar contigo?
Sabes que eu estava para nem escrever nada, presumindo que tu não devias andar lá muito bem disposto, mas depois achei que umas palavras amigáveis e com algum humor podiam não ser de todo má ideia?!...
O que foi isso?... Essa postura intransigente, essa posição armada?
Tu não achas que leste o meu comentário levado pela forma como te sentes, dando-lhe uma interpretação lateral?
Não achas também que, em virtude de eu me ter sempre pautado pelo respeito em quaisquer situações, havias de me dar algum crédito? Não achas que, isso sim, revelaria lucidez, sensatez e simpatia? E que nada fiz que o desmerecesse?
Pareceu-me leviana a confusão que fizeste; desiludiu-me; deixou-me francamente triste e indisposta. Todavia, toda a gente se engana.
Pois aqui fica o meu pedido de desculpas (talvez tenha cometido um erro, sim), mas que a rectificação te não impeça de remover o comentário, porque o meu interesse em que persista passou a nulo.
Bela droga, isto das virtualidades, por vezes. E pensar que aqui vim para um encontro de escritas.
Desejo-te felicidades!

 

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