14 julho, 2006

NO PALCO DA VIDA

Francisco naquela noite voltou ao teatro. Era a terceira vez que ia ver aquela peça.
Estava apaixonado pela actriz principal. Tinha encontrado a mulher da sua vida.
A doçura da sua voz no palco, os seus sentimentos, quanta bondade, quanto amor…
Francisco estava optimista. Hoje depois do espectáculo ia finalmente falar-lhe.
Valeu-lhe um amigo que bem familiarizado com o mundo artístico, lhe arranjou um bilhete na plateia, quando a lotação estava esgotada havia já duas semanas. De igual modo, tinha conseguido que a actriz recebesse Francisco logo a seguir á representação, a pretexto de um autógrafo.
Francisco jovem com trinta e poucos anos, não cabia em si de emoção. Nada sabia dela, a não ser que, acidentalmente, foi ver a peça e ficou deslumbrado com a actriz. Tão pouco sabia que aquela figura de elegante senhora tinha mais vinte anos que ele.
Finalmente encontraram-se, e Francisco mal conseguia balbuciar as palavras com que lhe falou. Enquanto esperava que a actriz se vestisse para sair, Francisco não sabia mesmo como tinha arranjado coragem para a convidar para cear. Não tinha qualquer dúvida, ela também gostava dele.
Naquela noite, ele bem percebeu que ela representou apenas para si. As suas frases que ele tão bem conhecia, foram proferidas olhando na sua direcção. Ele um anónimo no meio de tanta gente, mas era para ele que ela olhava naquela noite, enquanto representava.
Linda saiu do camarim e avançou desajeitadamente na direcção de Francisco. Foi um tremendo choque. Em cena, o seu cabelo primorosamente penteado, dera agora lugar a um cabelo comprido avermelhado e muito mal tratado. O elegante vestido da peça, era agora um “trapo” garrido de mau gosto.
Francisco teve de reunir forças para prosseguir sem que a senhora percebesse a sua desilusão.
Durante a ceia Linda falava alto e a sua voz estridente nada tinha que ver com a voz melodiosa de Dona. O seu sorriso meigo, dera agora lugar a um esgar, que os beiços vincados de baton vermelho esborratado fora dos lábios sublinhavam, enquanto atirava com a cabeça para trás, em estridentes gargalhadas.
Francisco como cavalheiro que era, acompanhou Linda a casa. Na despedida, quando procurou beijar a mão da actriz, esta que nem reparou, selou a despedida com dois beijos que marcaram a face de Francisco como dois carimbos vermelhos.
No ar ficou a possibilidade de um futuro encontro, mas sem muita convicção de parte a parte.
Linda entrou em casa, tinha acabado a noite, o pano tinha caído, o espectáculo tinha terminado.
Sentada diante do espelho, tirou a cabeleira, removeu a maquilhagem e sem saber porquê uma lágrima rolou-lhe na face.
Naquela noite, cear com Francisco tinha sido a sua melhor representação. Trinta anos de carreira tinham ensinado á actriz, que os homens da sua vida não se apaixonavam por ela, mas por Dona, a figura da peça.
Dedico este conto a todas as mulheres e homens, apaixonados... pelos protagonistas das peças.


6 Comments:

At 14 julho, 2006, Anonymous Anónimo said...

Pois... estes contos são só contos, histórias! esta até é gira, já agora o senhor dê um toque para o telemóvel que eu vou aqui de Pombal dar uma ajuda no duelo, em S. Pedro de Moel não é? Quando algo acontesse nesta praia eu gosto de estar, prepare-se para eu o convidar para um café no bar junto á praça, pode ser? Dois cafés, ok... eu pago.

 
At 15 julho, 2006, Blogger Papoila said...

Como sempre uma leitura agradável de uma belíssima e comovente história.
Beijo

 
At 17 julho, 2006, Anonymous Anónimo said...

Que lindo conto...

Nem sabe como me pôs triste, hoje, que estou nostálgica e com o chamamento do mundo...

 
At 18 julho, 2006, Blogger Menina Marota said...

Agora as paixões não são pelos protagonistas do palco, mas pelas palavras corridas num teclado...

Bela e comovente estória, sem um final feliz como é apanágio de quase todas as estórias..

Bj ;)

 
At 19 julho, 2006, Blogger por uma lágrima said...

Simplesmente apaixonante.
Um verdadeiro conto de fadas...
Bjo

 
At 09 agosto, 2006, Blogger APC said...

"Bolas"!...
Um dia perguntaste-te porque tinha eu ido ao encontro de um texto especificamente. (!)
Agora, que tive um tempinho para vir ver o que era feito dos teus murmúrios, pergunto-me porque não encontrei, então, este mesmo!!!
"Pois é!"... Ele há coisas...
Dá-me a ideia - desde logo deu - que há quês elementares (ou talvez não, talvez até muito compostos), na essência ou na ressonância das escritas, que se entendem especialmente... Literariamente falando. Não sei se é do conteúdo, do estilo, ou apenas das escolhas inconscientes dos sentimentos patentes, mas há sim.
E não o poderás medir pelo meu blog, porque nele não tenho histórias de ficção; fi-lo num movimento sublimatório que, as mais das vezes, tão só mascara o que de auto-biográfico seja e corresponde a uma fase sui generis.
Por isso, resta-te a opção de me dares crédito quanto ao que digo (ahahahah... audácia pura!:-).
Contudo, no geral e finalmente, o que eu quero, aqui e agora, é fazer-te o elogio dos retalhos que já li, e a promessa de que outros lerei.
Ah... E, já agora, fazer votos de que essas férias te permitam o descanso necessário e o prazer desejado.
Um abraço de letras, que as letras também se abraçam.

 

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