O ESPÍRITO DA TERRA
La Manga - por cima do casario, ao fundo, o farol do Cabo de Palos
La Manga - Praia dos Pinheiros (Mar Menor)
Salvou-se este bocadinho
Que desperdício. Então aqui este espaço não dava perfeitamente para construir um prédio de quinze ou vinte andares?... Só pinheiros e mais pinheiros que nem há lugar para por os pés.
(aih, se eu fosse o "alcaide do ajuntamento")
* * * * *
Quando eu era criança e mais tarde já um jovem com 18 anos, tive o privilégio de conhecer lugares como a Costa de Caparica, São Martinho do Porto, o Luso e mais tarde, homem casado ou em vias disso, conheci São Pedro de Moel, Vidago e Pedras Salgadas.
Em todos estes lugares, se encontrava patente, não se via, mas sentia-se um ambiente especial, tradicional, que se foi criando através dos tempos e passado como testemunho de geração em geração e que na falta de melhor termo, eu resolvi chamar de, Espírito da Terra.
Dele faziam parte, não apenas o aroma do mar, das flores, dos campos, mas também a harmonia das construções na sua arquitectura cuidada e equilibrada nas proporções.
Do espírito da terra, faziam igualmente parte, as pessoas. Não apenas aquelas pessoas elegantes que frequentavam esses lugares durante a “Seson“, como era habito dizerem quando se referiam á época de veraneio.
Faziam parte desse espírito também, as pessoas da terra, a quem por costume já conhecíamos e tínhamos por amigos.
Não apenas os mais humildes, como o senhor Luís e a senhora Júlia, moleiros da azenha, a quem os meus pais visitavam regularmente, não só para se deliciarem com a água fresca da nascente, como para me mostrar como era moída a farinha do pão que eu comia na cidade.
De igual modo, também cumprimentávamos a senhora do correio, onde íamos levantar ou depositar as nossas cartas, por vezes até telefonar. Sim, naquele tempo não tínhamos tele-móveis.
Faziam parte deste ambiente, o senhor Adelino, porteiro do hotel, a Graça dos bolos e tantos outros. O Quim Barbeiro, o Chico Zé, este último um pobre diabo que sabendo ler e escrever, publicava numa lousa as noticias da aldeia, que pendurava na porta da barbearia do Quim. Dela constavam, as mortes, os aniversários os nascimentos e até os casamentos. (Agora o Besnico está mesmo comovido)
De igual modo, se cumprimentava o senhor Conselheiro, o senhor Doutor, formado em Coimbra e que era o médico das termas.
Quantas e quantas tardes de conversa com o senhor doutor… tinha sempre histórias engraçadas para contar, fruto de muitos anos como médico de aldeia, num tempo em que o médico não ganhava o suficiente, para pagar as contas da farmácia, dos medicamentos que gratuitamente fornecia aos seus doentes mais necessitados. Valiam-lhe as consultas na Casa do Povo e no verão, as que dava aos veraneantes mais abastados que vinham da cidade, para fazerem as suas curas termais.
Chamávamos-lhe o “João Semana” por analogia com a figura do médico, criada por Júlio Dinis no seu conto “As Pupilas do Senhor Reitor”.
Parece que o estou a ver; alto, magro, olhos azuis, cabelo branco e com aquele porte de cavalheiro e uma maneira especial de conversar e reflectir sobre os assuntos, característica dos velhos doutores de Coimbra.
Quantas e quantas vezes em pleno Inverno, noite alta, contava-nos, era chamado a assistir a um parto.
Nunca se recusou, tenho testemunhos disso. Metia-se no seu automóvel e quando a estrada acabava, lá estava alguém, com uma candeia, um burro ou uma mula, para acompanhar o Senhor Doutor, serra acima, por onde os caminhos cobertos de neve, já não vão. Por perto, ouviam-se os latidos dos lobos. Assim, tantas vezes ao longo da vida, lá chegava a um casebre, onde á luz de uma vela, trazia para a luz da vida uma criança ou fechava para sempre os olhos de um moribundo.
- Quanto devo Sr. Doutor?...
- Ora deixe lá isso… o que é preciso é que o rapaz vá ás sortes.
E dizendo isto, lá se ia embora, serra a baixo, não sem antes, discretamente sobre a mesa, escondida por baixo da receita, deixar uma nota de vinte escudos.
(quando não é possível repartir a riqueza, que se saiba ao menos, repartir as dificuldades)
Nesses lugares por onde andei, respirava-se um ambiente de família. Deixem que vos conte.
Não irei identificar pessoas nem apontar concretamente nenhum sítio em especial. Mas o que vos vou contar, teve por cenário todos os lugares que acima já referenciei.
Como o “conto” é longo, hoje deixo-vos apenas com este bocadinho.
Se gostarem, voltarei amanhã com “O ESPIRITO DA TERRA II
3 Comments:
Então até amanhã!
Até amanha...
Obrigada pela visita Besnico!
Espero que tenha tido umas boas férias. Confesso que não me senti muito atraída com as fotos, mas eu acho que, para além da paisagem, são sobretudo as pessoas que fazem os lugares, não é?
Além de piscianos, temos Cascais em comum. Não vivo lá, mas sempre passei férias. Todos os anos nos "mudávamos" (literalmente) de armas e bagagens em Junho, quando acabavam as aulas, para só regressar no final de Setembro.
Ainda hoje passo uma semana em Cascais. É estranho, aqui tão perto, mas lá está...são as pessoas que ficam...
Um abraço! Voltarei...
Enviar um comentário
<< Home