O PODER DO ZIPPO ou Histórias de Marinheiros
Os rapazes da minha idade, todos eles conhecem o isqueiro Zippo. Caixa de aço, uma mecha, uma pedra e gasolina - fabrico Americano e entre nós, vulgarmente chamado o “Ronson da Picada”.
Recentemente estão de novo a lançar no mercado este modelo, mas já equipado com câmaras digitais; modernices…
Nas viagens por mar, que fazemos no veleiro do meu cunhado, com amigos e família, sim que as nossas mulheres também alinham nisto… Tem muito medo mas pouca vergonha. Quando o mar está mau protestam; como se nós tivéssemos culpa disso. Mas mal saíram de uma, as desavergonhadas, já estão a combinar a próxima viagem. Quando as coisas se complicam, regressam de avião e os lacaios que tragam o barco – afinal os marinheiros são eles… bonito!
Bem, mas não era nada isto que eu vos queria contar. O que quero contar é o meu poder com o isqueiro Zippo.
Eu e o meu cunhado, somos dois amigos inseparáveis - sim porque uma desgraça nunca vem só, a minha estava em promoção, trouxe as irmãs e os cunhados. Também veio a sogra, mas essa sim, uma santa senhora. Não é para me gabar, mas ela também teve sorte com os genros que lhe calharam e se as coisas corriam mal, ela vingava-se.
Fazia bolinhos de bacalhau, que eu adoro, só que os meus fazia-os com algodão em rama e este parvo, de início, passava o tempo todo a mastigar e não conseguia engolir. Isto já para não falar das “sopinhas” que me fazia. Eu detesto sopa. Claro que eu retribuía com outras “mimosidades” e assim, entre afectos e traquinices, vivemos uma vida toda em completa harmonia e profunda amizade.
Mas voltando ao meu cunhado e ao meu poder com o isqueiro Zippo, facilmente se compreende que dois “galos na mesma capoeira” que é como quem diz, dois comandantes no mesmo navio, só pode dar discussão.
As nossas mulheres chamam-nos os dois marretas. Ora porque um entende que o vento está muito forte e é melhor rizar pano e o outro acha que não; ou porque o outro entende que deve rumar mais não sei quantas horas naquela direcção para apanhar melhor vento e o outro acha que o tempo que se vai perder nesta manobra não virá a compensar com o que se ganha se mantivermos o rumo, ainda que em andamento menos rápido, etc. etc. etc. já para não falar, das argumentações técnicas sobre a exactidão dos cálculos náuticos de cada um.
Neste particular a introdução do GPS veio tirar a graça toda às discussões, não tarda que consideremos a possibilidade do regresso ao velho sestante ou ao astrolábio.
Nestas discussões até a terminologia náutica muda, para gáudio dos nossos “passageiros”. Coisas tão simples como uma roda de leme, podem mudar de nome e dar origem a uma expressão como esta:
- Larga essa merda, ou não sabes o que vais a fazer?…
Sem falsas modéstias, ambos estamos bem preparados para aquilo que estamos a fazer, mas estas picardias fazem parte do divertimento, muitas vezes propositadamente levadas ao exagero para divertir as senhoras.
Reconheço todavia ao meu cunhado, mais prática e um espírito de marinheiro superior ao meu, (mas só um pouquinho mais - nada de abusos) na realidade sempre fui mais piloto de aviões do que de barcos.
Mas é na hora de acender o cigarro que eu brilho.
Nessa hora ele rende-me homenagens de comandante. Nessa hora eu tenho o poder. O poder do Zippo.
Quando o seu miserável isqueirinho a gás não funciona, ou se apaga com o vento, ihh ihh ihh é a minha vingança.
Começa por remexer nos bolsos. Depois... o isqueiro não acende e eu finjo que não percebo.
No escuro da noite ele não pode ver o meu sorriso perverso; e digo para comigo - tás lixado, se queres fumar vais ter que ir lá abaixo procurar fósforos, mas vais ter que me pedir para te substituir, que com o mar que está o piloto automático não aguenta o barco.
Pouco tempo depois ele olha para mim, e eu faço de conta que não percebo. Então, ele pergunta se eu quero fumar e eu respondo com outra pergunta:
- Tens os cigarros molhados? Apetece-me gritar VINGANÇA.
Não, responde ele, a merda do isqueiro não acende.
Então, explorando ao máximo aquele momento, meto um cigarro na boca, acendo o meu Zippo, puxo-lhe a patilha para trás para a tampa não se fechar e atiro-lhe o Zippo aceso, que ele apanha no ar.
Vencido, acende o cigarro, fecha a tampa e devolve-me isqueiro pelo mesmo processo, dizendo:
- Estas merdas são boas… substitui-me ao leme que eu vou lá abaixo fazer café. Também queres um?
7 Comments:
Cheguei de fazer compras para a minha companheira, sentei-me abri o blog e digo-lhe que me assustei com a leitura do seu comentário, pensei que me ia dizer algo que eu não viesse a gostar, obrigado pelas suas palavras.
Gostei da sua escrita, li com prazer, então o ZIPPO acende sempre.
Na Madeira eu que viajava várias vezes ao ano para essa encantadora ilha, fazia questão de beber uma poncha numa "tasca" na estrada de Ribeira Brava para S. Vicente depois jantava no Santo António ou na Parreira, bons tempos...
Deixo um abraço e vou ficar com o seu endereço.
Juda - ou António de Pombal
Pois é o Zippo também falha :) girissimo, adorei a tua escrita e essa vontade de "vingança" ;) nem sempre o que custa caro é o elhor. Lembro-me de uns amigos falarem que o zippo nunca falhava e chegavam-se a fazer apostas em que os fulanos acendiam vezes sem conta o dido cujo e mesmo assim ele acendia sempre...Bem coisas de homens:) eu apenas me limitei a pagar um que ainda está aqui guardado na caixa á espera de dono ;)...Um homem do mar...só podes ser boa pessoa;). O meu avô era da marinha e aqui por estas bandas todos temos paixão pelo mar :)...e saindo de mansinho desejo boas viagens e deixo um beijo n´oteudoceolhar (cheguei de barquinho desde a praia da Leirosa ;) (blog do Juda ao ler um comentario teu)....**
Ó vizinho, vocemecê fuma? Isso faz-lhe mal! Desculpe-me esta observação... Convido-o a vir até cá para tomarmos um cafezinho.
Ò vezinhã, nã se preocupe com o me fumo. Eu cá nã fumo tabaco daquele que diz no pacote que faz impotência, ou provoca câncaro no pulmão. Eu sou analfabeto mas nã sou burro. Eu só fumo tabaco daquele que faz mal ás grávidas. Ora eu cá nã tou grávedo… sim eu cá nã sou desses, ná alinho em modernices.
Agora a vizinha, acete uma opinião: - Mate o sê médico, antes que ele a mate a si.
Fique bem vizinha, quanto ao cafei, aceto, se for a vizinha a pagar… é que eu sou um homem muito arreservado, nestas coisas do pagari. Há que dividir tarefas; eu bebo a vizinha paga.
Bom dia vezinhã!
Passei por qui p’ra lhe dar a saudação e fiquei espantado com a sua fotografia no cabeleireiro. Bons tempos, ainda parece que foi ontem. Sim que a vizinha era cá um traço… e já la vão cinquenta e tantos anos. Ainda a vizinha não era gorda, nem andava com os olhos sempre pisados dos diálogos com o sê homem. Eu sei… eu sei, que ele até que é boa pessoa, mas quando está com um copito a mais fica muito nervoso.
Fique bem vizinhã e não leve a mal, iste ei a gente a falari.
You' got the power!!!
E não é apenas o do Zippo, mas aquele que é preciso para se ser um bom contador de estórias (que escrever todos escrevemos; mas fazer os outros embarcar e viajar connosco já exige poderes de "comandante").
PS - Ao mesmo tempo que te lia, escrevi-te um pequeno email... Vou mandar.
You' got the power!!!
E não é apenas o do Zippo, mas aquele que é preciso para se ser um bom contador de estórias (que escrever todos escrevemos; mas fazer os outros embarcar e viajar connosco já exige poderes de "comandante").
PS - Ao mesmo tempo que te lia, escrevi-te um pequeno email... Vou mandar.
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