Nas viagens por mar, que fazemos no veleiro do meu cunhado, com amigos e família, sim que as nossas mulheres também alinham nisto… Tem muito medo mas pouca vergonha. Quando o mar está mau protestam; como se nós tivéssemos culpa disso. Mas mal saíram de uma, as desavergonhadas, já estão a combinar a próxima viagem. Quando as coisas se complicam, regressam de avião e os lacaios que tragam o barco – afinal os marinheiros são eles… bonito!
Bem, mas não era nada isto que eu vos queria contar. O que quero contar é o meu poder com o isqueiro Zippo.
Eu e o meu cunhado, somos dois amigos inseparáveis - sim porque uma desgraça nunca vem só, a minha estava em promoção, trouxe as irmãs e os cunhados. Também veio a sogra, mas essa sim, uma santa senhora. Não é para me gabar, mas ela também teve sorte com os genros que lhe calharam e se as coisas corriam mal, ela vingava-se.
Fazia bolinhos de bacalhau, que eu adoro, só que os meus fazia-os com algodão em rama e este parvo, de início, passava o tempo todo a mastigar e não conseguia engolir. Isto já para não falar das “sopinhas” que me fazia. Eu detesto sopa. Claro que eu retribuía com outras “mimosidades” e assim, entre afectos e traquinices, vivemos uma vida toda em completa harmonia e profunda amizade.
Mas voltando ao meu cunhado e ao meu poder com o isqueiro Zippo, facilmente se compreende que dois “galos na mesma capoeira” que é como quem diz, dois comandantes no mesmo navio, só pode dar discussão.
As nossas mulheres chamam-nos os dois marretas. Ora porque um entende que o vento está muito forte e é melhor rizar pano e o outro acha que não; ou porque o outro entende que deve rumar mais não sei quantas horas naquela direcção para apanhar melhor vento e o outro acha que o tempo que se vai perder nesta manobra não virá a compensar com o que se ganha se mantivermos o rumo, ainda que em andamento menos rápido, etc. etc. etc. já para não falar, das argumentações técnicas sobre a exactidão dos cálculos náuticos de cada um.
Neste particular a introdução do GPS veio tirar a graça toda às discussões, não tarda que consideremos a possibilidade do regresso ao velho sestante ou ao astrolábio.
Nestas discussões até a terminologia náutica muda, para gáudio dos nossos “passageiros”. Coisas tão simples como uma roda de leme, podem mudar de nome e dar origem a uma expressão como esta:
- Larga essa merda, ou não sabes o que vais a fazer?…
Sem falsas modéstias, ambos estamos bem preparados para aquilo que estamos a fazer, mas estas picardias fazem parte do divertimento, muitas vezes propositadamente levadas ao exagero para divertir as senhoras.
Reconheço todavia ao meu cunhado, mais prática e um espírito de marinheiro superior ao meu, (mas só um pouquinho mais - nada de abusos) na realidade sempre fui mais piloto de aviões do que de barcos.
Mas é na hora de acender o cigarro que eu brilho.
Nessa hora ele rende-me homenagens de comandante. Nessa hora eu tenho o poder. O poder do Zippo.
Quando o seu miserável isqueirinho a gás não funciona, ou se apaga com o vento, ihh ihh ihh é a minha vingança.
Começa por remexer nos bolsos. Depois... o isqueiro não acende e eu finjo que não percebo.
No escuro da noite ele não pode ver o meu sorriso perverso; e digo para comigo - tás lixado, se queres fumar vais ter que ir lá abaixo procurar fósforos, mas vais ter que me pedir para te substituir, que com o mar que está o piloto automático não aguenta o barco.
Pouco tempo depois ele olha para mim, e eu faço de conta que não percebo. Então, ele pergunta se eu quero fumar e eu respondo com outra pergunta:
- Tens os cigarros molhados? Apetece-me gritar VINGANÇA.
Não, responde ele, a merda do isqueiro não acende.
Então, explorando ao máximo aquele momento, meto um cigarro na boca, acendo o meu Zippo, puxo-lhe a patilha para trás para a tampa não se fechar e atiro-lhe o Zippo aceso, que ele apanha no ar.
Vencido, acende o cigarro, fecha a tampa e devolve-me isqueiro pelo mesmo processo, dizendo:
- Estas merdas são boas… substitui-me ao leme que eu vou lá abaixo fazer café. Também queres um?